sábado, 19 de dezembro de 2009

Ai de vocês mulheres!


Ai de vocês mulheres!
Miguel Garcia


“Não há homens sérios, espirituais e compenetrados. Não há um de nós que se alce ao sublime. Dizemos coisas inconsequentes, fazemos coisas fora de propósito e rimos de coisas impróprias. Essa leviandade faz parte do segredo comum que torna os homens freqüentemente repugnantes e ocasionalmente irresistíveis.” 
Ai de vocês mulheres!
“A teologia é um exercício intelectual, uma manobra de idéias, um jogo expansionista cujo objetivo é anular a posição do antagonista. A proposta da teologia não é apenas fixar, tabular e estabelecer limites para a imponderável verdade espiritual; seu objetivo declarado é vencer, derrubar, eliminar a oposição pela manobra rasteira do convencimento. Essa sua qualidade de “jogo de quem é mais forte” (ou, no caso, “quem está mais certo”) mantem-na, irremediavelmente, no terreno dos interesses masculinos.” 
Ai de vocês mulheres!
... ”é preciso reconhecer que escrever teologia é tradicionalmente a atividade de homens que não estão fazendo sexo”... 
Ai de vocês mulheres!
... “a teologia é o esforço masculino de demonstrar que a verdadeira espiritualidade implica em afastamento do mundo real; daí a abstinência, daí a assepsia das idéias, daí o caráter infantilmente selado das discussões, das quais só podem efetivamente participar os iniciados na adequada gnose.” 
Ai de vocês mulheres que:
“Não acham necessário contrastar a vida cristã com o que quer que seja muito menos com algo tão desejável e natural quanto o sexo ou os demais embaraços e delícias da realidade física.” P. Brabo 
Ai de vocês mulheres que:
“.. sabem que a espiritualidade não é coisa a ser cultivada na cabeça, mas no coração; não é atividade que se desenrole no palco das idéias, mas nos bastidores das atitudes. “ 
Ai de vós mulheres que vivem, enquanto os homens se ocupam de teologia.
Ai de vocês mulheres que:
... ”apostaram consistentemente na ideia de que, se havia algo de relevante na herança de Jesus, isso se manifestava em pés empoeirados, em abraços, em unhas sujas, em panelas de comida, em manchas difíceis de sair, em cafunés, em consolos, em longas conversas na madrugada, na cabeceira dos doentes, na limpeza das secreções, em lágrimas, na confecção de presentes, na sustentação de relacionamentos, na cura de doentes, nas visitas aos esquecidos, no repartir do pão, no sorriso dividido, no dilema de consciência, na intimidade da cama, na companhia silenciosa, na ausência impensável.” 
Ai de vocês mulheres!
... “O espírito realmente dotado e livre procura desviar-se da família como instrumento de procriação característico.” Becker
Ai de vocês mulheres!
... “se o gênio vai seguir ao pé da letra um projeto em causa própria, ele se depara com uma vasta tentação: desviar-se da mulher e do papel ditado pela espécie a seu próprio corpo. É como se raciocinasse:” Não existo para ser usado como um instrumento de procriação física no interesse da raça; minha individualidade é tão total e integral que incluo meu corpo num projeto em causa própria. E assim o gênio pode experimentar procriar-se espiritualmente através da ligação com rapazes bem dotados, de criá-los à sua própria imagem, e de passar o espírito de genialidade para eles. É como se estivesse procurando duplicar-se exatamente em espírito e corpo. Afinal de contas, qualquer coisa que deprecie o voo livre do talento espiritual da pessoa tem que parecer aviltante. “A mulher já é uma ameaça para o homem em sua corporalidade; basta um curto passo para desvia-se do relacionamento sexual com ela; dessa maneira a pessoa mantém seu centro cuidadosamente impedido de dispersar-se e ser solapado por significados ambíguos.” Becker
A pessoa pode narcisicamente tentar proteger seus significados, abstendo-se do que considera ser uma infidelidade heterossexual.
Ai de vocês mulheres!
A auto-inflação narcisista nega a dependência do corpo feminino, do papel determinado pela espécie para a pessoa e o controle e proteção do poder e significado da individualidade dela mesma.
Ai de vocês mulheres!
Um homem pode manifestar necessidades e atividades sexuais excepcionalmente reduzidas, como se uma aspiração superior o tivesse elevado acima da necessidade animal comum da humanidade, ai de vocês!
Ai de vocês mulheres!
Alguns homens podem despejar toda paixão que possuem num movimento em causa própria - em busca de imortalidade - algo como uma aspiração superior, a qual poderia também incluir razoavelmente um homossexualismo espiritual que não constituiria ameaça como “necessidade animal”.
Ai de vocês mulheres!
“A homossexualidade orgânica obriga a escolha de um parceiro portador do órgão, as outras se satisfazem com um parceiro cuja virilidade é (psíquica).” C. Melman
Ai de vocês mulheres!
Segundo Lacan não existe relação sexual. Homem e mulher nunca se encontram completamente, há sempre um resto – como quando se divide cem por três – e, certamente a existência desse resto – irredutível – faz fracassar toda esperança de complementaridade dos sexos.
Ai de vocês mulheres!
“Uma mulher introduz a falta que faz desejar a outra.” C. Melman
Ai de vocês mulheres!
“Desprezo, porém, esses loucos, persuadidos de que o amor deles está tão completamente justificado que podem de bom grado mofar dos outros amantes; pois, uma vez que o amor se furta a qualquer explicação, todos os amantes se tornam igualmente ridículos.” Kierkegaard
Ai de vocês mulheres!
Ai de vocês,
ai de todos nós!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Transe!


Transe! 
Miguel Garcia

“no mais fundo de nossa alma ainda somos crianças, e assim permaneceremos a vida inteira”. Ferenczi

Era imperativo que ele fosse uma pessoa imponente, o “hipnotizador”; de alta categoria social e autoconfiante em seu modo de agir. Quando ele dava suas ordens o “paciente” agia, muitas vezes, como se atingido por um golpe de foice. Nada restava a fazer senão obedecer, pois por sua figura majestosa e autoritária, o "hipnotizador" assumia um lugar paterno para o "paciente". Ele conhecia aqueles meios exatos de assustar e ser terno, cuja eficácia foi provada e aperfeiçoada ao longo de milhares de anos, nas relações de pais com filhos. Conhecia a técnica utilizada por “avivalistas”, “pastores”, “missionários”, “apóstolos”, “bispos”, “padres”, e outras personalidades centrais – os assim chamados “Filhos (as) do Céu”, quando, alternadamente, discursam para seus auditórios com voz esganiçada e, a seguir, imediatamente os tranqüilizam com um tom suave, choramingos e sussurros sedutores. Diante disso, com um grito de agonia e êxtase, de quem entrega o coração, a pessoa lança-se aos pés do pregador, no altar real "simbólico”, para ser salva.
Como a mais elevada ambição da “criança” é obedecer aos todo-poderosos pais, acreditar neles e imitá-los, o que seria mais natural do que um retorno instantâneo, imaginário à infância através do “transe hipnótico” religioso?
A turba matizada carrega em si uma predisposição para entregar-se ao fascínio, ao domínio de uma figura centralizadora - pai autoritário.
É sabido que o hipnotizador não hipnotiza, no sentido de incorporar psiquicamente algo bastante estranho, de fora, mas só processos capazes de porem em movimento mecanismos inconscientes, preexistentes, auto-sugestivos...
Sua aplicação de sugestão e hipnose consistia no deliberado estabelecimento de condições sob as quais a tendência para crença cega e obediência sem discussão, presente em todos, mas mantida sob repressão, podia inconscientemente ser transferida para sua pessoa.
Ele sabia que nem todos se submetem ao hipnotismo religioso formal, que a maioria esconde e disfarça seu impulso interior para fundir-se em figuras poderosas, contudo, prosseguia impassível. Ele sabia que a predisposição para a “hipnose” era a mesma que dava origem à transferência (submissão ante a uma autoridade), e que ninguém era imune a esta, ninguém podia argumentar contra as manifestações transferênciais nos assuntos humanos do dia-a-dia. Ele sabia que os adultos caminham por aí parecendo bastante independentes; que eles por sua vez exercem o papel de pais e parecem bem crescidos – e que assim o são. Ele sabia que as pessoas não poderiam funcionar se ainda levassem consigo o sentimento infantil de temor respeitoso dos pais, a tendência para obedecer-lhes automaticamente e sem questionamentos. Porém, ele também sabia que apesar dessas coisas normalmente desaparecerem, a necessidade de ser subordinado a alguém perdura; que só a parte do pai é transferida para professores, superiores, personalidades impressionantes. Sabia da lealdade submissa a governantes, que é tão generalizada, toda essa predisposição, essa energia, poderia ser canalizada para os fins dele, para o progresso dos seus ideais. Ele sabia.. Intuía e, avançava em num projeto narcisista de auto criação constante.

Ins-pirado em Becker, Freud, Ferenczi e em minha experiência de vida.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Entre aspas

"Entre"
Miguel Garcia


“Esta sociedade é absolutamente normal”, louco sou eu.
“Não há incomodo ou mal-estar à solta”.
Apelar para soluções mágicas? “Não há quem empreenda tal projeto desnecessário”.
O show não pode parar. Abaixo a tristeza e a frustração. O imperativo é a felicidade - felicidade egocêntrica – tática de sobrevivência individualista e narcisista: o importante é ser feliz! Triste sou eu, “a maioria vai indo bem e agradece”!
A medicina (o médico), “não está apenas a serviço do funcionamento social do paciente” (“não está aí apenas para devolver seu funcionamento”), imagine! “Psiquiatras não operam como traficantes legalizados, em hipótese alguma”. Os lares estão abarrotados de antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e tranqüilizantes, “por mero acaso”.
Cresce o conhecimento e o poder que a criatura humana (animal humano) possui sobre suas circunstancias, “na mesma medida em que assistimos a um aumento da percepção geral do sujeito sobre seu universo interior”. “O homem conhece o mundo em que vive e o mundo que é”. Demente sou eu, esperto é o outro.
Minha vida é tensa como uma corda esticada. O resto do mundo “flutua pelado em rios de água doce, suspira de felicidade.”

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fetichiz-ação

Fetichiz-ação
(A idolatria nossa de cada dia)
Miguel Garcia

Ele remontava a infância. Feito criança forjava ambientes para sentir-se seguro e satisfeito. Aprendia, agia e percebia seus espaços de tal maneira que deles exorcizasse a angustia e, agindo assim, sem dar-se conta de efeitos colaterais, punha-se à mercê de uma fatalidade: aquele que monta seu mundo de percepção e ação para eliminar o que é básico nele (angústia) estará fundamentalmente falseando-o. Ele regredia de maneira ávida e acrítica, na tentativa de controlar e automatizar seu mundo. Queria exercer um controle completo sobre as circunstancias externas, em toda a variedade e multiplicidade de manifestações. Revoltava-se contra aquilo ou aqueles que ameaçassem frustrá-lo de um modo qualquer e em obstinada persistência seguia nos rumos da imaturidade. Alienava-se na vã tentativa de superar sentimentos de vazio interior e impotência. Escolhia um objeto no qual projetava todas as qualidades que lhe eram próprias como humano: seu amor, inteligência, coragem, entre outras. Submetendo-se a tal objeto, sentia-se em contato com suas próprias qualidades; sentia-se fortalecido, sábio, valente e seguro. Perder o objeto seria trágico como perder-se de si próprio. Achava-se atrelado a um mecanismo de adoração idólatra – amputado de si, na dinâmica central de algum tipo de transferência. Entregava-se constantemente ao poder de um “parceiro” que parecia composto de todas as qualidades que ele havia deixado de concretizar nele mesmo. Despia-se de todo poder e colocava-o nas mãos do Outro.
Ele não era um covarde incomum, isso não. Estava mais para um refém dos problemas básicos de uma vida organísmica - problemas de poder e controle. Desejava ser potente o suficiente para opor-se à realidade e mantê-la ordenada para sua própria expansão e realização. Naturalmente almejava estabelecer contato com a natureza e, por conta disso, escolhia alguém através de quem pudesse estabelecer o diálogo. Forjava ídolos valendo-se de sua fértil imaginação, mesmo que fossem negativos e odientos. Povoava os ares com toda sorte de “divindades” que o ajudassem a fixar-se no mundo, a criar um alvo para seus próprios sentimentos, mesmo que fossem destrutivos. Estabelecia seu ponto de apoio organísmico fundamental tanto com o ódio como pela submissão. De fato, o ódio o estimulava ainda mais, embora ampliasse o objeto mais do que o merecido. Ele carecia de um objeto para que pudesse exercer controle. Ele o conseguiria de um modo ou de outro. Na ausência de pessoas para o seu diálogo de controle, poderia valer-se até de seu próprio corpo como objeto transferencial. As dores que por ventura viesse a sentir, as doenças reais ou imaginárias, dariam algo com que ele pudesse se relacionar; evitariam seu desprendimento do mundo - o atolamento no desespero de absoluta solidão e futilidade. Ele usaria uma doença como objeto, se necessário. Em busca de sentir-se mais real e em vantagem sobre sua sina trataria o próprio corpo como a um amigo em quem pudesse apoiar-se para adquirir força ou um inimigo que o ameaçasse com perigos. Fetichizaria o universo se fosse preciso, ancoraria seus problemas. Ele encontraria a si, mesmo que sob milhares de disfarces no caminho da vida.

Ins-piradíssimo na obra de Backer, Adler, Norman B., Eric Fromm e outros bichos-humanos!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Ciber-perdição

A pessoa ingressa, claro que com a "permissão" do "proprietário"... Evita deter-se na leitura de frases longas ruidosas, sor-ver animações coloridas - superposições seduzindo, ou então, acampa o olhar, mas é certo que não irá permanecer ali. Paira no tempo e devora os espaços, chegando a um mar de fotografias convidando. Contempla dis-traida e, alcança o horizonte paginal. O porre imagético e sem sentido a desperta do transe e introduz nela um pavor: a sensação de que mesmo tendo visto seu reflexo à deriva - flutuando numa espiral de rostos desconhecidos ou não, a experiência havia negado qualquer descoberta importante. O que a tal pessoa estaria desejando ali?  Cômico existêncial? Ciber-perdição?

Toten

Toten
Miguel Garcia

Ele observava o grande número de alunos e professores transitando em seminários “evangélicos”, contudo, não se iludia de que as pessoas dessem real valor à instrução e à verdade. Ele sabia que muitos professores ensinavam para ganhar dinheiro e não se esforçavam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganhavam dando a impressão de possuí-la e que muitos alunos não aprendiam pelo conhecimento e instrução, mas para poderem tagarelar e ganhar ares de importantes. Estudantes e estudiosos miravam a informação em detrimento da instrução.
Ele havia conhecido pessoas que se vangloriavam por terem informações sobre “tudo”; sobre os resumos e conjunto de “bons” livros, pessoas que só não levaram em conta o fato de que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma. Lamentava pelas pessoas de-formadas na capacidade de pensar, apesar das muitas leituras que fizeram e, que por falta de pensamentos próprios, careciam de um afluxo contínuo de pensamentos alheios. “Estomago e intestino do qual a comida saia sem ser digerida” - “eruditos” que estudam apenas para um dia poderem ensinar e escrever. Não eram capazes de alimentar com o leite formado do seu próprio sangue, jamais.
Ele era um diletante. Tocava de ouvido seus pensamentos. Era mais adivinho que sabedor de qualquer assunto. Exercia o que quer que fosse na arte ou ciências com a fragilidade do amor e o vigor da alegria. Sabia do desprezo esmagador que pairava sobre ele. Sua existência era constantemente negada por aqueles que se consagraram a essa ou aquela ciência ou saber apenas com vistas ao que poderiam lucrar. Sabia que o objeto dileto da turba matizada sempre seria o dinheiro a receber. Sabia que a massa possuía o mesmo espírito e, por conseguinte, a mesma apinião dos que o negavam. Sabia que o público só é respeitoso para com as “pessoas da área”, e profundamente desconfiado em relação a diletantes como ele. Compreendeu que seria de gente como ele e não de intelectualistas entrincheiramos (eruditos) que viriam as grandes e sensíveis idéias - saídas para a vida do homem comum. Sabia tanta coisa, ou melhor, imaginava, adivinhava, intu-ia tanta coisa que desmaiava em espírito constante-mente. Ele já emudecia, mesmo em palavras.

Deus pra quem quiser, senhor pra ninguém. Ninguém merece!