sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Antes de ler um livro “evangélico”

Antes de ler um livro "evangélico":
Miguel Garcia


Leia Schopenhauer - A ARTE DE ESCREVER!


Saiba que o sagrado tem a ver com justiça e misericórdia e não com o cultivo de experiências místicas, atitudes “piedosas” e celebrações cerimoniais. Saiba que as relações dos homens com Deus têm de passar pelas relações dos homens uns com os outros:

“Abomino e desprezo vossas celebrações solenes. Corra, porém, a justiça como um rio impetuoso...” (AM 5:24).

Antes de ler um livro “evangélico” saiba que as atenções de Deus estão voltadas para os que se encontram fora dos círculos da riqueza e do poder. Saiba que religiões protegidas pelo estado só podem estar a serviço do mesmo (observe como os clérigos transitam livremente pelas largas avenidas do poder político).
Antes de ler um livro “evangélico” saiba que existem; tanto os que oprimem os pobres, como aqueles que sacralizam e justificam a opressão, envolvendo-a na aura da aprovação divina. Saiba que os nomes de Deus podem e são usados pelos interesses da opressão - abuso, exploração, enriquecimento ilícito, violência emocional, por pastores, bispos, missionários, apóstolos, padres e demais homens e ou mulheres “de Deus”:

”Eles enganam meu povo dizendo que tudo vai bem quando nada vai bem. Pretendem esconder as rachaduras da parede com uma mão de cal...” (Ez 13:10).

Saiba que existe algo como uma ambivalência da religião:

“... ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou escravizar”. Rubem Alves.

Saiba que os poderosos usam as mesmas palavras sagradas e invocam os poderes da divindade como cúmplices da guerra e da rapina, infantilizam, abusam, escravizam e exploram as massas, impiedosamente e isso já desde sempre.

Saiba que os vencedores não são generosos. São eles que escrevem a história e, é esse o motivo porque não se encontra nelas as razões dos derrotados – suas memórias, denúncias, suas queixas. Saiba que visões como essa só aparecem em meio a pobres e fracos. Saiba que a maioria esmagadora dos assim considerados escritores “evangélicos” ou cristãos, escreve sobre a religião dos fortes, dos vencedores, justamente a que os profetas bíblicos e outros tantos denunciaram ao longo da história e isso sob pena de perderem suas vidas..

Antes de ler um livro “evangélico” saiba que: a maneira pela qual pensamos é condicionada pela textura de nossas vidas, sendo assim, os poderosos pensam diferente daqueles que não têm poder. O mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes, seus sonhos, suas religiões e até seu Deus.
Antes de ler livros “evangélicos” aprenda a questionar seus pressupostos – suas certezas. Procure ir além de seus automatismos concordo-discordo, sim/não, ou/ou, e assim em diante. Saiba que nenhum conhecimento é final. Que a familiaridade é inimiga do conhecimento, que somos tendenciosos a reduzir, que o erro e a ilusão são inseparáveis do conhecimento, que todo conhecimento os inclui, que de nossa identificação com nossas “certezas” participa também a dimensão emocional. Antes de ler saiba que o mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções, e é nossa estrutura que permite essas percepções – nosso mundo é nossa visão de mundo e existem tantas realidades quanto pessoas percebedoras (Maturana, Marioti).
Antes de ler um livro “evangélico” entenda que ler significa reler e compreender - interpretar. Que cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam (Boff). Saiba que todo ponto de vista é a vista de um ponto (Boff). Cada leitor é co-autor. Antes de ler um livro “evangélico” saiba que o texto tenta o leitor a interpretá-lo. Saiba que o entendimento final é uma ilusão, um fruto sedutor ao alcance da mente falível: crer é morder (Giannetti). Ler é recriar. A palavra final “não é dada por quem escreve”, mas por quem a lê. O diálogo interno do autor é a semente que frutifica (ou definha) no diálogo interno do leitor (Giannetti). E por fim, antes de ler um livro “evangélico”, questione seus pressupostos, todos eles, só pra começar: duvide, duvide e duvide. Antes de ler um livro “evangélico” experimente algumas dessas singelas sugestões ou então: seja “feliz” por ser “evangélico”.
A leitura não passa de um substituto dos pensamentos próprios (quando se possui algum, é claro). Leia apenas quando precisar regenerar seus pensamentos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Proto-homens-e-mulheres


Proto-homens-e-mulheres
(Sobre psicologia coletiva e liderança)
Miguel Garcia


Havia um anseio naquelas pessoas. Anseio por uma personalidade forte, seu respeito e temor diante dela. Homens e mulheres desejavam “viver” sob o comando de um macho dominador. Essa pessoa central conservava seu grupo unido por certas qualidades suas. Era admirada por sua equanimidade nos casos onde os demais sentiam vergonha e humilhação, aniquilava o medo e permitia a todos sentirem-se onipotentes, “permitia” a expressão de impulsos “proibidos” e desejos “secretos”, seduzia por não abrigar os conflitos que afligiam seus subordinados.

O líder era importante muitas vezes, pelo simples fato de ter praticado o ato inicia-dor quando ninguém mais ousou fazê-lo, ou quando ninguém se sentiu livre, poderoso ou astuto o suficiente para tanto. Os atos ilegais do grupo iam sendo justificados na medida em que o grupo inteiro compartilhava a responsabilidade por eles. As particip-ações do grupo refinavam a realidade quotidiana e coroava-lhe com a aura do sagrado e, por conta disso, seguiam-se os assassinatos (abusos, explorações e exclusões). O grupo eliminava apoiado em seu líder, apoiado pela magia da prioridade. Isso fazia mais do que aliviar a culpa: na verdade transformava o fato dos crimes. Se uma pessoa matava sem culpa e imitando o líder-herói que correu o risco através da ação iniciadora, ora, então isso não era mais homicídio: era uma agressão sagrada - transformação heróica mágica do mundo e de si mesmo. Esta era a ilusão pela qual as pessoas anelavam e que fazia da pessoa central um veiculo tão eficaz para as emoções do grupo. Não que por sua vez o grupo abrisse mão de usar seu líder para diversos tipos de absolvição e alívio de conflitos - para amor e até para o oposto. Usavam seu líder com pouco ou nenhum respeito por ele pessoalmente, atentos a satisfazer suas próprias necessidades e impulsos. O líder era tanto uma criatura do grupo, quanto este dele. Perdia sua distinção individual por ser líder, assim como eles por serem seguidores. Não dispunha de mais liberdade para ser ele mesmo do que qualquer outro membro do bando/agrupado, exatamente porque tinha de ser um reflexo das suposições dos demais a fim de, inicialmente qualificar-se para a chefia.

Melancólico observar quão pouco heróico é o homem comum, ainda quando segue “heróis”. Simplesmente jogam sobre estes últimos suas próprias bagagens; seguem com restrições, com um coração desonesto. Entram no “transe hipnótico” com reservas, sem livre e incondicional entrega. São usados que também usam - descartáveis que por sua vez também descartam.

Heroísmo tímido o do comportamento coletivo. Nada de livre ou másculo neles. Ainda quando fundem egos com o do pai autoritário, o feitiço acha-se em seus próprios interesses mesquinhos. As pessoas usam seus condutores quase sempre como uma desculpa. Quando cedem às ordens do líder, reservam o sentimento de que tais comandos lhes são estranhos, de responsabilidade do líder, que os atos terríveis que estão cometendo são em nome dele e não de si próprias, daí a ausência de culpa. Elas podem imaginar-se vítimas temporárias do líder. Quanto mais cederem ao seu fascínio e quanto mais terríveis os crimes que cometerem, tanto mais podem achar que os erros não foram delas. Eis que é tudo claro nessa utilização do líder.

Por fim aqueles que destroem por ordem do líder não mais são assassinos, mas heróis santos. Eles anseiam seguir na aura possante que o pai autoritário projeta e levar avante a ilusão que lhes fornece, a ilusão que lhes permite transformar heroicamente o mundo. Sob o fascínio hipnótico dessa pessoa central e com a força total de seus próprios impulsos de auto-expansão heróica, não precisam ter medo; podem matar tranquilamente; negando-se a ouvir e, assim negando a existência, a dignidade, singularidade ou ainda a legitimidade de outrem. Com efeito, na aparência achavam estar fazendo um favor às suas vítimas; santificaram-nas, incluíram-nas em sua missão santa e as vítimas santificadas tornavam-se uma oferta sagrada às exigências de novas divindades investidoras de recursos. E assim comunidades vão obtendo mais vida através da morte das vítimas que, gozarão do privilégio de servirem ao mundo da maneira mais elevada possível; por meio de sua própria morte sacrifical.


Ins-pirado na obra de Freud (Análises do Ego), Redl, Adorno, Backer e outros bichos!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Dis-sim-u-lados!

Dis-sim-u-lados!
Miguel Garcia

Não anunciaram aquilo para que o ser humano foi essencialmente criado e não denunciaram os esquemas que atentam contra o seu destino.
Não desnudaram as falsas transcendências com que a cultura investe para responder à busca fundamental do ser humano, empobrecendo-o e frustrando sua procura.
Não desmascararam religiões travestidas de únicas intermediárias para alcançar o transcendente e que procuram enquadrar com suas normas e verdades absolutas.
Não demonstraram paixão sem paralelo - paixão que vê, compreende e traz à tona ocorrências do presente.
Não atacaram as práticas religiosas dominantes em seus dias, patrocinadas e celebradas pela cumplicidade de adeptos, pela moderna classe sacerdotal, por políticos corruptos e cartéis do tráfico que lavam dinheiro através das instituições.
Não associaram o sagrado à justiça ou à misericórdia, jamais.
Não foram porta-vozes dos desgraçados da terra.
Não se fizeram compreender pregando a igualdade e a liberdade.
Não exigiram o fim das práticas de opressão.
Não reclamaram a devolução da vida e alegria aos pobres, sofredores, aos fracos, aos estrangeiros, aos órfãos e viúvas – aos que se encontravam fora dos círculos de riqueza e do poder.
Não foram proibidos de falar, perseguidos ou mesmo mortos.
Não lutaram contra o poder estatal nem se confrontaram com os representantes de religiões que negam a legitimidade e singularidade das pessoas.
Não dirigiram denuncias àqueles que sacralizavam e justificavam a exploração e o abuso, envolvendo tais práticas na aura da aprovação divina.
Não disseram a verdade, enganaram para salvar a própria pele. Pretenderam esconder rachaduras na parede com uma mão de tinta rala.
Não foram eles mesmos - inteiros, tampouco nutriram-se de humanidade ou semearam o bem comum.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Grande Líder

O Grande Líder
Miguel Garcia
O bando aguardava por ser dominado... 

Uma sede de servidão impulsiona seus partidários, sede esta, cada vez mais intensificada por ele, o grande líder. Se as pessoas visam servi-lo com o propósito de livrarem-se de culpa, ele procura dar-lhes uma dose a mais de culpa e medo para atrair a teia da imoralidade para junto delas. Ele consegue um domínio realmente coercitivo sobre os membros do grupo por eles seguirem-no no cometimento de atos ultrajantes. Pode então, usar a culpa contra eles, prendendo-os mais a si. Ele usa a angústia deles para seus fins, mesmo despertando-a, se precisa disso; e pode usar o temor de serem descobertos pelas vítimas que desejam vingar-se, como forma de chantagem para mantê-los dóceis e obedientes para novas atrocidades. Ele une a todos pelo crime. Une num cimento de sangue. Farta-se de "inferiores" e até mesmo de pessoas proeminentes e talentosas, embora relutantes, que teima em recrutar. A estas últimas, induz a cometerem atrocidades suplementares que as identifique indelevelmente com o que há de pior no cardápio das perversões humanas. À medida que cresce o número de vítimas, ele manipula os temores de represálias pelos que podem vingar as vítimas feitas ao longo do processo: o velho truque dos bandidos, desta vez utilizado para aglutinar num único bloco, o volumoso bando de sectários. O que supostamente começou com uma missão “heroica” acaba sustentado por intimidações e ameaças, pelo aumento de medo e culpa. Seus seguidores descobrem que têm que continuar com o plano megalomaníaco porque esse passa a ser sua única chance de sobrevivência em um mundo hostil. Eles têm de fazer o que o chefe quer, o que se torna o que eles mesmos precisam querer, a fim de sobreviver. Se o líder perde, eles também perecem; não podem desistir, nem ele os deixa fazer isso. E é assim que as coisas tomam o rumo da destruição abso-luta. Por que será que as pessoas apegam-se aos seus líderes, mesmo na derrota? Seria talvez porque sem eles, sintam-se por demais expostas a represálias - ao aniquilamento total, porque tendo sido batizadas nas chamas de seu Führer supremo, não saberiam suportar a sina de viver sozinhas?
Ele (o grande líder , projetava em seus adeptos sua própria incapacidade de ficar só (sem multidões), seu próprio temor ao isolamento. Ele gerou e manteve comunidades 'homicidas', o grande líder.

Ins-pirado na obra de Freud, Adorno, Ernest Kris, Backer, Otto Rank e outros bichos...

Vassum Crisso

sábado, 21 de novembro de 2009

Animais de bando!
Miguel Garcia


Ele enlouquecia de lucidez - lou-cura que perpassava mundos no interior de si, descortinava uni-versos que já não cabiam em sua alma atormentada. Transbordava em qualquer brancura,  nas fendas das horas ruidosas. Interrogava compulsiv-a-mente: Por que as pessoas são tão fáceis de dominar quando agem em grupo? Contagio mental e instinto de rebanho, não dava conta de explicar o que ele próprio havia feito de seu julgamento e bom senso quando membrado a grupos religiosos fundamentalistas. Gemia ao perceber que as pessoas são tão fáceis de dominar quando agrupadas, simplesmente porque se tornam crianças dependentes outra vez, cegamente seguindo a voz interiorizada dos pais, que lhes chega sob o fascínio hipnótico de um líder. No processo abandonam seus egos ao do Fuhller (chefe), identificam-se com seu poderio, tentam funcionar tendo-o como ideal.
Lembrou das características sobrenaturais e coercitivas de formação dos grupos dos quais havia participado. Patrões em geral possuem uma “personalidade perigosa, perante os tais só é possível uma atitude passivo-masoquista, a quem a vontade de cada um tem de se dobrar. Ficar sozinho com um deles, fitá-los na face, parece ser um empreendimento arriscado. Ele compreendeu a causa da paralisia que existe no “vinculo” entre uma pessoa com poder inferior e outra com poder superior. Compreendeu que o homem tem “uma paixão extremada pela autoridade”, “quer ser governado por força irrestrita” e que é esse traço que o líder hipnoticamente incorpora em sua própria pessoa dominadora. Desmaiou em espírito ante a consciência insuportável de que as pessoas, incluindo ele mesmo, tenham uma aspiração a serem hipnotizadas justamente por quererem de volta a proteção mágica, a participação na onipotência, o sentimento oceânico de que desfrutaram quando eram amadas e protegidas pelos pais. É isso que mantém um grupo reunido, pensou amargurado e destruído num primeiro momento. Os grupos nada produzem de novo nas pessoas; apenas eles satisfazem as aspirações “eróticas” arraigadas que as mesmas levam consigo inconscientemente. Funcionam como uma espécie de cimento psíquico que agrupa uma turba matizada em uma interdependência mútua e indiferente; os poderes magnéticos do líder, retribuídos pela delegação culposa da vontade de todos a ele. Submergia num mar de consciências torturantes. Lembranças honestas o fizeram pensar em como pode ser perigoso encarar certas pessoas, ou como pode ser bom aquecer-se confiadamente na chama do poder de outrem. Rememorou que não temia o perigo em tempos de outrora. Como membro de um grupo não se sentia a sós com sua pequenez e incapacidade, já que "possuia" a “força” do líder-herói com que se identificar. Uma dependência confiante no poder do líder o fazia flutuar por sobre sua frágil condição concreta. Seu narcisismo natural aflorava na sensação de que se alguém tivesse que morrer, seria sempre o outro. Imaginava vitórias contra probabilidades absurdas, afinal de contas, dispunha dos poderes onipotentes da figura do pai - dos pais da igreja, visíveis ou não. Por que é que imerso no rebanho, havia ficado tão cego e bronco? Por que exigiu tantas ilusões dando ao irreal procedência sobre o real? Seria porque o mundo real é terrível demais para ser aceito; porque ele diz ao homem que é um animal pequeno e tremulo que definhará e morrerá? Sua ilusão modificara tudo isso: o fez parecer “importante, vital para o universo, imortal de certa forma. Estava furioso consigo, pois agora sabia que as massas confiam nos líderes para lhes darem justamente a inverdade de que precisam; o líder prolonga as ilusões que triunfam sobre o complexo de castração a as engrandece, elevando-as à categoria de uma vitória realmente heróica”. Eis o custo das “experiências novas”, “expressão” de impulsos proibidos, desejos secretos e fantasias, prosseguia torturando a si mesmo. Tudo era válido no comportamento coletivo, desde que o líder aprovasse. Era como ser um bebê novamente, encorajado pelo “pai” a satisfazer-se em plenitude, ou como estar no tratamento analítico que não censura coisa alguma que você pense ou sinta. No grupo ele podia ser um herói onipotente e dar plena vazão a seus apetites sob o olhar aprovador do pai. Compreendeu finalmente o aterrador sadismo da atividade coletiva. O que poria no lugar da obediência cega, ilusão e sadismo comunitário? Como não inflar-se com a importância de sua própria vida, o que contribui para a desvalorização da vida dos outros? Como abrir mão do narcisismo que ajuda a traçar limites nítidos entre os que são como eu ou pertencem a mim e os que são estranhos ou estrangeiros? Seu desejo de conservar-se mergulhado em uma fonte maior de poder foi devastador. Meu Deus: quanta escravização, maldade e contínua loucura política e religiosa, suspirou. Animais de bando! Praguejava in-feliz, porém iluminado.

Ins-pirado no legado de Freud, Rank, Backer, Brown e outros bichos!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Atração fatal

Atração fatal
Miguel Garcia


Repreendeu-se pela loucura de ter ofertado lealdade a este ou aquele, de ter acreditado tão cegamente e obedecido com tamanha voluntariedade. Escapou de um encanto que quase o destruiu, refletiu a respeito e nada parecia fazer sentido. Como pode ter ficado tão fascinado e, por quê? As massas seguiriam seus líderes devido à aura mágica projetada por eles, que se afigurariam maiores do que a vida? Os homens adorariam e temeriam o poder, a ponto de dedicarem sua lealdade aos que o "distribuem", ou será que a escravidão acha-se inscrita na alma de cada criatura?
Maldito o fascínio da pessoa que detém ou simboliza o poder. Maldito aquele que, irradiando algo, faz com que outros se evaporem de si mesmos. Maldito sortilégio armadilhoso! Ou será que a ameaça vem dos olhos de quem observa – auras azuis ou douradas, brilho no olhar, mistificação especial? Uma atração irresistível jorra de quem se sente a-traido?
Ele interrogava a si mesmo, dia após dia: se todas as pessoas são mais ou menos semelhantes, por que ardemos com paixões tão monopolizadoras por algumas delas? Por que voluntariar-se à condição de escravo humano, agir sem objetivos determinados e deixar-se governar, como crianças, por meio de biscoitos, bolos e varas de marmelo?
Ele torturava-se, punia-se por ter sido tão intensamente ligado a esta ou aquela personalidade imantadora, por ter feito destas, o centro de seu mundo, sua alegria, energia fontal, alimento para os olhos, néctar para sua alma sedenta, algo que lhe dominava o pensamento e até mesmo os sonhos. Será que distorcia o mundo para aliviar seu desamparo e seus temores? Será que ampliava as dimensões deste ou daquele, para vê-los maiores do que a vida, assim como a criança vê os pais? Ele não suportava a culpa por ter sido tão dependente, ter buscado proteção e força fundindo seu destino com o de “pais e mães” da "igreja" e de outros “lugares”. Viu as coisas como “bem” desejou para sua própria “segurança”. Agiu automática e acriticamente como fazia em seu período pré-edipiano. Rendeu-se passivo a um poder “superior”, caiu em estupor instantâneo e obedeceu como autômato as ordens de um “estranho”. Foi apanhado como que por encantamento, pois ignorava a disposição de sua própria alma para ser escravizada. Ele queria crer que, se perdia sua vontade, era por causa de outrem. Mas acabou por admitir que essa perda de vontade era algo que ele levava consigo como um anelo secreto, uma disposição para reagir à voz e ao estalar de dedos de outro. Por fim desmaiava ante a consciência de que sua auto-suficiência era apenas imaginária - mais uma farsa, assim como a livre auto-determinação, julgamento e escolha independente. Compreendeu o porquê de também ter aderido à moda de filmes que contam histórias de vampiros, algo ligado a medos reprimidos veio à tona: a angústia de perder o controle, de ficar completamente sob o fascínio de alguém, de não estar realmente no comando de si mesmo. Um sermão expositivo, uma canção "ingênua" - circular - repetitiva e "misteriosa", uma boa dose de in-fluência feminina, pode levar um sujeito a perder-se para sempre. Abandonado em seu inferno existencial ele mal podia acreditar no que havia a-con-tecido  - no que "fez" de si mesmo, em quem havia se tornado.


Inspirado na obra de Freud, Otto Rank e Norman O.Brown, etc.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sobre o futuro dos usados (1)

Sobre o futuro dos usados (1)
Por Miguel Garcia

“A camisinha é o sapatinho de cristal da nossa geração; você "calça" uma quando conhece um estranho, dança a noite toda e daí deita fora: perde a camisinha, é claro! Não é estranho? Comprei um vestido no brechó por um real. É um vestido de dama de honra. Alguém amou demais esse vestido, só por um dia. Como uma árvore de natal, tão especial e, depois, ela está lá na calçada, com enfeites ainda dependurados. Como uma vítima de estupro: a calcinha do avesso, amarrada com fita isolante...” Marla, do Clube da Luta..

sábado, 7 de novembro de 2009

Arapuca

Arapuca
Miguel Garcia

Sinto-me apanhado numa ambivalência atroz. Fundir-me confiantemente na sucedânea da finada minha mãe - minha mulher, nos filhos, parentes, amigos, ou mesmo no Pai do céu, o que aparentemente seria abandonar um projeto em causa própria - a tentativa de ser pai/mãe de mim mesmo. E se você abandona isso fica diminuído, seu destino não é mais o seu próprio:


“você é a eterna criança abrindo caminho no mundo dos mais velhos. E que espécie de mundo é esse, se você está procurando trazer para ele algo que é seu mesmo, algo distintamente novo, histórico universal e revolucionário?” E. Backer

Isso tudo, ou sei lá o que. Parece impossível suportar o peso esmagador dessa tal ambivalência!

Invoco uma de minhas mais importantes influências modernas, E. Backer:
"Como deve ser bom livrar-se do colossal fardo de uma vida que se modela a si mesma. Se autodomina, diminuir a firmeza com que se apega ao próprio centro, e ceder passivamente ante uma autoridade e poder mais alto – e que alegria em tal rendição: o conforto, a confiança, o alivio no peito e nos ombros da pessoa, a leveza do coração, a sensação de estar sendo sustentado por algo maior, menos falível. Com seus próprios problemas distintivos, o homem é o único animal que pode, muitas vezes voluntariamente, abraçar o sono profundo da morte, mesmo sabendo que isso implicaria em esquecimento."

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

No mundo de ninguém
Miguel Garcia

Trágico existir, odor de morte, vida enorme, o dia mal aportou.
Um hábil maldito incandesce. A vã negação de tudo...
O Corpo vergado... Quotas de angustia, culpa e desamparo,
ponto cego, fim da linha: rompeu-se o fio da ilusão
Abolir a si, vegetar de rir, não se sabe da felicidade.
Um inepto no mundo natural adoece. Dilacera a experiência de viver.
Imagens incessantes entorpecem. Cri-ativos não se movem com-finados.
Vive-se à beira da loucura, quando distante da animalidade.
Onde andará a segura programação instintiva e cultural?
Solidão é não estar no mundo de ninguém.

domingo, 1 de novembro de 2009

PresságioMiguel Garcia


O Sol abaixo do horizonte...
Reina a obscuridade.
Nas horas mortas da noite, da noite alta, vi toda uma vida se dissipando.
E no crepúsculo aturdido, sem ler ao longe ou pressentir as tenras horas da manhã regressando, des-espero.
Clara esfera, Clara e impassível - brecha no tempo infinito - sonho do existir...
Oh! Circulo de prata,
Oh! Lua dourada:
Faz brilhar paixão pra redimir da vã existência!