quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Transe!


Transe! 
Miguel Garcia

“no mais fundo de nossa alma ainda somos crianças, e assim permaneceremos a vida inteira”. Ferenczi

Era imperativo que ele fosse uma pessoa imponente, o “hipnotizador”; de alta categoria social e autoconfiante em seu modo de agir. Quando ele dava suas ordens o “paciente” agia, muitas vezes, como se atingido por um golpe de foice. Nada restava a fazer senão obedecer, pois por sua figura majestosa e autoritária, o "hipnotizador" assumia um lugar paterno para o "paciente". Ele conhecia aqueles meios exatos de assustar e ser terno, cuja eficácia foi provada e aperfeiçoada ao longo de milhares de anos, nas relações de pais com filhos. Conhecia a técnica utilizada por “avivalistas”, “pastores”, “missionários”, “apóstolos”, “bispos”, “padres”, e outras personalidades centrais – os assim chamados “Filhos (as) do Céu”, quando, alternadamente, discursam para seus auditórios com voz esganiçada e, a seguir, imediatamente os tranqüilizam com um tom suave, choramingos e sussurros sedutores. Diante disso, com um grito de agonia e êxtase, de quem entrega o coração, a pessoa lança-se aos pés do pregador, no altar real "simbólico”, para ser salva.
Como a mais elevada ambição da “criança” é obedecer aos todo-poderosos pais, acreditar neles e imitá-los, o que seria mais natural do que um retorno instantâneo, imaginário à infância através do “transe hipnótico” religioso?
A turba matizada carrega em si uma predisposição para entregar-se ao fascínio, ao domínio de uma figura centralizadora - pai autoritário.
É sabido que o hipnotizador não hipnotiza, no sentido de incorporar psiquicamente algo bastante estranho, de fora, mas só processos capazes de porem em movimento mecanismos inconscientes, preexistentes, auto-sugestivos...
Sua aplicação de sugestão e hipnose consistia no deliberado estabelecimento de condições sob as quais a tendência para crença cega e obediência sem discussão, presente em todos, mas mantida sob repressão, podia inconscientemente ser transferida para sua pessoa.
Ele sabia que nem todos se submetem ao hipnotismo religioso formal, que a maioria esconde e disfarça seu impulso interior para fundir-se em figuras poderosas, contudo, prosseguia impassível. Ele sabia que a predisposição para a “hipnose” era a mesma que dava origem à transferência (submissão ante a uma autoridade), e que ninguém era imune a esta, ninguém podia argumentar contra as manifestações transferênciais nos assuntos humanos do dia-a-dia. Ele sabia que os adultos caminham por aí parecendo bastante independentes; que eles por sua vez exercem o papel de pais e parecem bem crescidos – e que assim o são. Ele sabia que as pessoas não poderiam funcionar se ainda levassem consigo o sentimento infantil de temor respeitoso dos pais, a tendência para obedecer-lhes automaticamente e sem questionamentos. Porém, ele também sabia que apesar dessas coisas normalmente desaparecerem, a necessidade de ser subordinado a alguém perdura; que só a parte do pai é transferida para professores, superiores, personalidades impressionantes. Sabia da lealdade submissa a governantes, que é tão generalizada, toda essa predisposição, essa energia, poderia ser canalizada para os fins dele, para o progresso dos seus ideais. Ele sabia.. Intuía e, avançava em num projeto narcisista de auto criação constante.

Ins-pirado em Becker, Freud, Ferenczi e em minha experiência de vida.

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