segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fetichiz-ação

Fetichiz-ação
(A idolatria nossa de cada dia)
Miguel Garcia

Ele remontava a infância. Feito criança forjava ambientes para sentir-se seguro e satisfeito. Aprendia, agia e percebia seus espaços de tal maneira que deles exorcizasse a angustia e, agindo assim, sem dar-se conta de efeitos colaterais, punha-se à mercê de uma fatalidade: aquele que monta seu mundo de percepção e ação para eliminar o que é básico nele (angústia) estará fundamentalmente falseando-o. Ele regredia de maneira ávida e acrítica, na tentativa de controlar e automatizar seu mundo. Queria exercer um controle completo sobre as circunstancias externas, em toda a variedade e multiplicidade de manifestações. Revoltava-se contra aquilo ou aqueles que ameaçassem frustrá-lo de um modo qualquer e em obstinada persistência seguia nos rumos da imaturidade. Alienava-se na vã tentativa de superar sentimentos de vazio interior e impotência. Escolhia um objeto no qual projetava todas as qualidades que lhe eram próprias como humano: seu amor, inteligência, coragem, entre outras. Submetendo-se a tal objeto, sentia-se em contato com suas próprias qualidades; sentia-se fortalecido, sábio, valente e seguro. Perder o objeto seria trágico como perder-se de si próprio. Achava-se atrelado a um mecanismo de adoração idólatra – amputado de si, na dinâmica central de algum tipo de transferência. Entregava-se constantemente ao poder de um “parceiro” que parecia composto de todas as qualidades que ele havia deixado de concretizar nele mesmo. Despia-se de todo poder e colocava-o nas mãos do Outro.
Ele não era um covarde incomum, isso não. Estava mais para um refém dos problemas básicos de uma vida organísmica - problemas de poder e controle. Desejava ser potente o suficiente para opor-se à realidade e mantê-la ordenada para sua própria expansão e realização. Naturalmente almejava estabelecer contato com a natureza e, por conta disso, escolhia alguém através de quem pudesse estabelecer o diálogo. Forjava ídolos valendo-se de sua fértil imaginação, mesmo que fossem negativos e odientos. Povoava os ares com toda sorte de “divindades” que o ajudassem a fixar-se no mundo, a criar um alvo para seus próprios sentimentos, mesmo que fossem destrutivos. Estabelecia seu ponto de apoio organísmico fundamental tanto com o ódio como pela submissão. De fato, o ódio o estimulava ainda mais, embora ampliasse o objeto mais do que o merecido. Ele carecia de um objeto para que pudesse exercer controle. Ele o conseguiria de um modo ou de outro. Na ausência de pessoas para o seu diálogo de controle, poderia valer-se até de seu próprio corpo como objeto transferencial. As dores que por ventura viesse a sentir, as doenças reais ou imaginárias, dariam algo com que ele pudesse se relacionar; evitariam seu desprendimento do mundo - o atolamento no desespero de absoluta solidão e futilidade. Ele usaria uma doença como objeto, se necessário. Em busca de sentir-se mais real e em vantagem sobre sua sina trataria o próprio corpo como a um amigo em quem pudesse apoiar-se para adquirir força ou um inimigo que o ameaçasse com perigos. Fetichizaria o universo se fosse preciso, ancoraria seus problemas. Ele encontraria a si, mesmo que sob milhares de disfarces no caminho da vida.

Ins-piradíssimo na obra de Backer, Adler, Norman B., Eric Fromm e outros bichos-humanos!

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