quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sur-presa!

Sur-presa!
Miguel Garcia

Alguns imprevistos podem provocar dores galopantes num ser apaixonado, sobretudo, se tal criatura cultivou a idéia de que, para ser surpreendente, um evento ou circunstancia deva ser breve. Mas como nomear uma surpresa sem fim? Qual o nome de algo que nos impede de voltar ao normal? O que nos faz querer viajar no tempo, testemunhar acontecimentos indesejáveis - revisitar em pensamento?  Como escapar de uma flecha que ameaça nos congelar definitivamente na perplexidade?

Vassum Crisso

Efeito contrário

Efeito contrário
Miguel Garcia

O corpo apertado numa calça jeans de cintura baixa, o rosto salpicado de pó. Ao querer negar demais o tempo, ela o havia precipitado. Maquiagem pesada e alisamentos químicos substituíram o belo rosto de uma mulher de 40 anos de idade por uma máscara sem tempo.

Vassum Crisso

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Se os Tubarões Fossem Homens

Se os Tubarões Fossem Homens
Parábola de Bertold Brecht e algo mais...

O bicharada humanal permanece aquém dos seus pares 'menos evoluídos', posto que não existe competição (no sentido predatório do termo) entre os seres vivos não-humanos. Miguel Garcia.

“Quando o homem chama determinados animais de predadores está antropomorfizando-os, ou seja, projetando neles uma condição que lhe é peculiar. Como não competem entre si, os sistemas vivos não-humanos não "ditam" uns aos outros normas de conduta. Mantidas as condições naturais, entre eles não há comandos autoritários nem obediência irrestrita. Os seres vivos são sistemas autônomos, que determinam o seu comportamento a partir de seus próprios referenciais, isto é, a partir de como interpretam as influências que recebem do meio. Se tal não acontecesse, seriam sistemas sujeitados, obedientes a determinações vindas de fora.  
No caso das sociedades humanas, em que as condições não são apenas as da natureza, é isso que o marketing e outros meios de condicionamento de massa tentam (e em boa parte dos casos conseguem) fazer com populações inteiras. É, portanto, possível a produção em grande escala de indivíduos sujeitados, embora para isso os estímulos condicionadores precisem ser amplos e ininterruptos.  
É o que o psicanalista Félix Guattari chama de produção de subjetividade. Com essa noção ele introduz a idéia de uma subjetividade industrial, fabricada, moldada pelo capitalismo. Trata-se da introdução de gigantescos sistemas de formatação e condicionamento, por meio dos quais o capital (hoje em sua fase de triunfalismo) constrói e mantém o seu imenso mercado de poder. É disso mesmo que se trata: transformar em sujeitado um sujeito natural. Ou seja, implantar e levar adiante a violência sobre a característica mais básica dos sistemas vivos — a autopoiese."  Humberto Mariotti                  


Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentis com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não morressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A E-terna-idade no momento

A E-terna-idade no momento
Miguel Garcia 

A vida não deve ser desprezada.
Ninguém será redimido no além. 
Não haverá recompensas celestes.
Eternidade não é uma série ininterrupta de instantes, 
nem medida arbitrária da duração das coisas. 
Eternidade não tem nada a ver com o tempo: 
eternidade é dimensão do aqui e agora; 
eliminada, se pensarmos em categorias temporais. 
Viva agora, ou em tempo algum, a e-terna-idade no momento.

Vassum Crisso