quarta-feira, 31 de março de 2010

Seria l-ou-cura sus-pirar pela amizade de in-telectu-ais?

Seria l-ou-cura sus-pirar  pela amizade de in-telectu-ais?
Miguel Garcia



Quanto aos “sábios” que se julgam pequenos deuses, a amizade quase nunca os une, ou, se isso às vezes acontece, é uma amizade sempre triste e desagradável, restrita a um número muito pequeno de pessoas.
Quanto a dizer que eles não gostam absolutamente de ninguém, eu teria apenas um escrúpulo: a maioria dos homens são loucos, pode-se mesmo dizer que não há nenhum que não tenha várias espécies de loucuras; ora, é na semelhança que estão fundadas todas as amizades. Erasmo – Elogio da loucura


... as pessoas de condição elevada mantém sempre uma fria reserva para com as pessoas comuns só pelo temor de diminuir com essa aproximação. Além disso, há os imprudentes que só fingem condescendência para melhor ferir, como sua arrogância, o pobre povo.
Bem sei que não somos nem podemos ser todos iguais; mas considero que aquele que julga necessário, para se fazer respeitar, distanciar-se do que chamamos povo é tão digno de lástima como o covarde que se esconde do inimigo, com medo de ser vencido. Goethe


Que pessoas são essas, cuja alma está inteiramente amarrada às formalidades, aplicando, durante anos, todos os seus pensamentos e esforços a imaginar um modo de ocupar um lugar melhor à mesa! ... Esses tolos não vêem que a posição não tem a mínima importância, porque aquele que ocupa o primeiro lugar raramente desempenha o principal papel! Quantos reis são governados pelo seu ministro e quantos ministros são governados pelo seu secretário! Quem é então o primeiro? Ao que me parece, aquele que, vendo mais longe do que todos nós, é poderoso ou bastante astuto para dirigir nossas faculdades e as nossas paixões no sentido da realização de seus planos. Goethe


Se esses filósofos (pedantes/livrescos) severos, portanto, ligam-se às vezes entre si por laços mútuos de uma benevolência recíproca, essa união pouco sólida não poderia durar muito tempo entre pessoas sempre tristes e de mal humor, com olhos de lince para perceber os defeitos dos amigos e cegas em relação a si próprias; entre pessoas, enfim, para quem a fábula de Esopo, segundo a qual Júpiter deu aos homens um alforje, enchendo sua bolsa dianteira com os defeitos dos outros e pondo os nossos na bolsa traseira, parece ter sido feita. De fato, quando se pensa que todos os homens estão condenados pela natureza a ter alguns defeitos essenciais; quando se reflete sobre todas as fraquezas, erros e acidentes aos quais sua vida mortal está continuamente exposta, como imaginar que a doçura da amizade possa subsistir por uma hora entre pessoas tão mordazes, a menos que a loucura, que podeis chamar complacência, não viesse suavizar a severidade de seu caráter? E afinal, Cupido, o autor e o pai de todas as ligações agradáveis, não é um deus cego? Não toma com freqüência a feiúra pela beleza? É também por ele que os homens ficam contentes de amar; é por ele que o velho ama sua velha companheira, que o jovem ama sua jovem amante. Eis aí o que se vê em toda parte, e que todos sempre acham ridículo; no entanto, é esse ridículo que forma e estreita os laços de amizade. Erasmo – Elogio da loucura

terça-feira, 30 de março de 2010

Expressa-mente proibida!

Expressa-mente proibida!
(Confissões dolorosas)
Miguel Garcia

Já não faço o tipo do artista que bem disfarça a incongruência que é a pulsão da loucura. Hoje em dia imagino-me consciente demais para tanto. O que fariam os “sonâmbulos” com uma plena consciência do absurdo que aí está estendendo-se ao infinito?
Penso ter fracassado na arte de modelar meu caráter (mentira vital) exatamente com o fim de interpô-lo entre mim e os fatos da vida; o que permitiria ignorar incoerências, alimentar-me de impossibilidades, sem desconfianças que assaltassem de súbito - ser bem sucedido na cegueira. Seria uma vitória peculiarmente humana: capacidade de ser superior ao que aterroriza, Sartre-rizando: sou paixão inútil; irremediavelmente embaraçado; desiludido a respeito de minha verdadeira situação.
Outrora desejei ser um deus, possuindo apenas o equipamento de um animal -  esse corpo - irmão asno, contudo, não fui capaz de deter-me e extasiar iludido por muito tempo, despertei:

“E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu...
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi no espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo”... Álvaro de Campos

Será minha esta vida, meu esse sonho, esse pesadelo, auto-engano?
Confesso: usei idéias para defender minha existência, afugentar o real. Como agir de modo diverso sem dizer adeus à uma felicidade qualquer?
Já não faço o tipo do artista que bem disfarça a incongruência que é a pulsão da loucura. Conforme bem questionaria o Giannetti: auto-engano?

terça-feira, 23 de março de 2010

O povo gosta!

O povo gosta!
Miguel Garcia

... E o meu povo gosta destas coisas. Mas o que vocês farão quando tudo isso chegar ao fim? Jer. 5.31

A tempo acordei para a realidade daquilo que os psicanalistas chamam de identificação – um impulso natural para unir-se aos poderes avassaladores que transcendem à pessoa. Ainda na infância ocorre um caso especial dessa pulsão: a criança engloba-se nos representantes do processo cósmico - focalização transferencial do terror, majestade e poder. Quando alguém se incorpora aos pais transcendentes ou ao grupo social em que se encontra, em certo sentido real, está procurando viver dentro de um significado maior. Ocorre uma espécie de impulso para a imortalidade, não um simples reflexo da angustia de morte, mas um esforço da pessoa inteira para alcançar a vida. Daí que a fome da humanidade por Deus – consumação do aspecto Ágape em sua natureza, está bem longe de representar o que existe de imaturo e egoísta nas pessoas: desamparo, medo, avidez pelo máximo possível de proteção e satisfação. A idéia de Deus nunca foi um simples reflexo de medo supersticioso e egoísta, conforme alegaram alguns mestres da suspeita – cínicos e pseudos realistas. Ao invés, é um fruto da genuína aspiração pela vida, um esforço para obter plenitude de sentido.

...Parece que a força vital estende-se naturalmente para além da própria Terra, uma das razões pelas quais o homem sempre colocou Deus no Céu. James

Admira-me, que uma das principais características do humano seja sua torturada insatisfação consigo mesmo, sua constante autocrítica. É a única maneira de vencer a sensação de limitação irremediável inerente à sua situação real (fragilidade e finitude), dá pra acreditar? Daí a festa dos ditadores, “evangelizadores”, com ou sem aspas, sádicos e afins. Essa turma toda sabe que as pessoas gostam de serem vergastadas com acusações de sua própria desvalia fundamental, porque isso reflete como se sentem realmente a seu próprio respeito. O sádico não cria o masoquista, ele já o encontra pronto e bem disposto a comprar uma cópia do último livro e sermão do homem de Deus. Fala sério! Eis que tudo era bom!...

E quer saber de mais ainda: através desse pul-gente processo, é oferecido às pessoas um meio de superarem a desvalia – oportunidade de idealizarem seu eu, de erguerem-se a níveis “verdadeiramente” heróicos, de estabelecerem um diálogo complementar consigo mesmas, o que é natural à sua condição. A pessoa se critica por sentir-se aquém dos ideais heróicos de que carece a fim de ser uma criação ou até mesmo creação, como diria Humberto Rholden , realmente impon-ente.

Hoje sei que tanto os objetos transferenci-ais como aqueles que seguem fascinados por estes, “experimentam” o que se poderia denominar de o impossível para os feitos humanos: querem ao mesmo tempo expandir englobando-se nos poderosos que os transcendem e, no entanto, querem mesmo assim permanecer indivíduos afastados, trabalhando no projeto da auto-expansão narcisista e em menor escala. Auto-engano? Conclusão: a corda vai quebrar do lado mais fraco. Salve-se quem puder.

Não quero tratar a transferência de uma maneira totalmente depreciativa, como já fiz em outras ocasiões, pois ela satisfaz impulsos vitais para a integridade humana. O homem precisa incutir em sua vida um valor que lhe permita julgá-lo bom. Transferência é uma forma de fetichismo criativo (quase sempre penso ser automático), o estabelecimento de um lugar a partir do qual nossas vidas podem extrair os poderes de que necessitam e desejam. O que torna o “heroísmo” transferencial degradante é ser o processo inconsciente e reflexo, não ampla-mente sob o controle da pessoa. Só de imaginar–me em tal areia movediça já começo a sufocar...

sexta-feira, 19 de março de 2010

Prece Girard-ente

Prece Girard-ente
Miguel Garcia


Oh! Mãe de infinita misericórdia:
Livra-nos da violência “sacra” - lâmina afiada e fria, conduzida por hábeis mãos sacerdotais que aguardam vítimas expiatórias, livra-nos.
Livra-nos de sermos a um só tempo apontados como santos e criminosos.
Livra-nos de operarmos na função instrumental de tubos condutores dos impulsos violentos acumulados no interior de um sistema decadente – de influirmos como ambarvais substitutivos.
Livra-nos de que por sobre nossa má sorte, verdugos ainda despejem o ódio e a agressividade que conservam, isentando e “purificando” de resistências seus ambientes, através de tais ações. Livra-nos de sermos confundidos com o meio ideal para apaziguar ou mesmo interditar o abuso da força intestina, o caos das pulsões latentes, como se fôssemos meras válvulas de evasão.
Oh! Mãe piedosa livra-nos do desejo mimético – ânsia de possuir o bem de outrem – disso que, ao que tudo indica, é inerente à natureza humana. Livra-nos da obsessão pela posse do ser e dos bens alheios, o que gera a rivalidade mimética. Livra-nos da ira dos detentores dos “benefícios” que outrora desejávamos.
Livra-nos de atiçarmos o apetite alheio com nossas ambições. Livra-nos da força que move o social e o pensamento - a inveja. Livra-nos.
Livra-nos do rosário interminável de represálias que sempre culminam no sacrifício de uma vítima expiatória (um crístico como nós), que “trará” de volta a paz aos ambi-entes.
Livra-nos da agressão generalizada que ameaça a liberdade possível.
Livra-nos, oh! Mãe bendita: pharmakós, párias que somos - cativos para oferendas em épocas de grandes crises e catástrofes, mesmo naturais, como se nossa morte pudesse eliminar o terror disperso pelo planeta voraz, tal como nos primórdios dos e-ventos fundantes.
Livra-nos de vigiarmos a memória de um acontecimento institui-dor, de sermos despejo de impulsos brut-ais.
Livra-nos do ímpeto caínico dissimulado na animalidade do bando - gestos sinuosos, bote traiçoeiro.
Livra-nos do preconceito, do racismo, discrimin-ação velada, exclusão, da perseguição implacável e ressurreição do velho mecanismo de oferendas que elege novas vítimas para expiar ódios que irrompem de irmãos. Livra-nos, oh! Mãe compassiva: Atente a prece Girard-endo em nós!


Ins-pirado no bicho Girardico (René Girard), como é dolorosa-mente natural.

segunda-feira, 15 de março de 2010

É chegada a absolvição do Movimento Gospel bárbaro e ou pseudo elitizado.

É chegada a absolvição do Movimento Gospel bárbaro e ou pseudo elitizado.
Por Miguel Garcia



Há necessidade de falar aqui dos que professam as belas artes? O amor próprio é tão natural a todos que talvez não haja um só que não preferisse ceder seu pequeno patrimônio do que sua reputação de homem de gênio. Tais são, sobretudo, os atores, os músicos, os oradores (ditadores, "evangelizadores" estrategicamente sádicos) e os poetas. Quanto menos talento possuem, maior seu orgulho, sua vaidade, sua arrogância. Todos esses loucos encontram, porém, outros loucos que os aplaudem; pois, quanto mais uma coisa é contrária ao bom senso, mais ela atrai admiradores; o que há de pior é sempre o que agrada a maioria; e nada mais natural, posto que, como já vos disse, a maior parte dos homens são loucos. Ora, como os artistas mais ignorantes estão sempre satisfeitos consigo mesmos e gozam da admiração da maioria, eles procederiam mal se fizessem um esforço infinito para adquirir verdadeiros talentos, que afinal, apenas serviriam para fazer dissipar a idéia vantajosa que possuem do próprio mérito, para torná-los mais modestos e para diminuir em muito o número de seus admiradores. Erasmo – Elogio da loucura.

domingo, 14 de março de 2010

Morra!

Morra!
(A verdade ger-ALL-mente vem na contra mão do dis-curso igrejeiro M.G.)
Miguel Garcia


A "igreja" descarada-mente. Eu, porém, digo morra (de fato reverbero). Prove o gosto da morte como se ela estivesse presente. Só se você provar a morte com os lábios de seu corpo vivo é que poderá emocionalmente saber que você é um animal que morrerá. A transcendência (possibilidade) não virá sem a destruição da mentira vital do caráter. Sei que parece o máximo em autofrustração, a única coisa que não se deveria fazer, pois então não lhe restará verdadeiramente nada. Mas, fique tranqüilo, a direção é bastante normal... o eu deve ser rompido afim de se converter em eu, essa é a salvação por meio do auto-desespero, o morrer para nascer verdadeiramente, a passagem ao nada. Para aí chegar, geralmente cumpre passar por um ponto crítico, uma esquina a virar dentro de si próprio. Algo tem de ceder, uma dureza inata tem de quebrar a liquefazer-se.
O homem de mente desimpedia é aquele que se livra daquelas idéias fantásticas (a mentira caracterológica acerca da realidade) e fita a vida no rosto, percebe que tudo nela é problemático e sente-se "perdido". E esta é a singela verdade – viver é sentir-se perdido – aquele que aceita isso já começou a encontrar-se, a colocar-se em terreno firme. Instintivamente, como fazem os náufragos, olhará em torno à busca de algo a que se agarrar, e esse olhar trágico, implacável, absolutamente sincero, pois se trata de sua salvação, o fará pôr ordem no caos de sua vida. Estas são as únicas idéias genuínas, as dos náufragos. Tudo o mais é retórica, pose, farsa. Quem não se sente realmente "perdido" não tem escapatória; quer dizer, nunca se encontrará - nunca se deparará com sua própria realidade.

Ins-pirado em Becker, Kierkegaard, Otto Rank, Adler, Goeth, Freud e outros Bichos!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Erótic-a-mente fal-ando

Erótic-a-mente fal-ando
Miguel Garcia

Tentadora a explicação freudiana de haver um impulso interior para a morte assim como para a vida e, por conseguinte, ser possível explicar a violenta agressão humana, o ódio e o mal bi-ológica-mente falando. Daí, a agressividade humana proveria da fusão do instinto de vida com o de morte. Ela seria uma representação do desejo de morrer do organismo, contudo, o organismo poderia salvar-se de seu próprio impulso para a morte redirigindo-o para fora. O desejo de morrer, então, seria substituído pelo desejo de matar, e o homem derrotaria seu próprio instinto de morte ao matar outros. Apoiando-se nessa tese, é possível pensar que o bípede humano viveria firmemente encravado no reino animal (o que de fato é verdadeiro). Que tentação projetar uma teoria como essa nas relações interpesso-ais de igreja...
Existiria algo como uma neutralização do instinto de morte ao matar outros. Haveria uma lig-ação entre a morte da própria pessoa morredoura e a carnificina (física ou psicológica, produto de uma ação direta ou simplesmente da negação de outrem – indiferença), praticada pela... enfim.. por quem quer que praticasse.
Essa tese se faz muito desejável uma vez que, não é raro testemunhar, ou mesmo protagonizar o pavoroso da agressão humana: a facilidade com que o animal, “governado por Eros” (segundo Freud), massacra outros seres vivos, valendo-se de métodos sofisticados e “higiênicos” (segundo o que já testemunhei), por vezes.
Matar seria uma resolução simbólica de uma limitação biológica; ela resultaria das fusões do plano biológico (angustia animal) com o simbólico (medo da morte) no animal humano. Essa dinâmica funcionaria mais ou menos da seguinte maneira:
O medo à morte do ego seria reduzido pela matança; por meio da morte do outro a pessoa compraria sua liberdade do castigo de morrer, de ser morta.
Que tesão uma explic-ação dessas! Pena que muitas das tortuosas for-mula-ções de Freud a propósito do instinto de morte possam, agora, ser decidid-a-mente relegadas à lata do lixo da história:
O bicho humano é um ser de amorosidade, apesar de suas inclin-ações potencialmente destrutivas, à solta, infernizando o planeta o azul.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O porque da recorrente pulsão por importações esdrúxulas

O porque da recorrente pulsão por importações esdrúxulas
Miguel Garcia


Tem a ver com auto-estima diminuída - a inferioridade que faz submergir, voluntariamente, em face do resto do mundo, sobretudo ante as seduções do Império – EUA e seus despóticos representantes explora-dores-alheias. Tem a ver com o “complexo de vira-latas” do brasileiro.

O vira-latas se satisfaz com o pouco que lhe dão (sádico discurso “evangélico”), ou mesmo com o que não lhe dão (livre acesso à consciência crística, à cultura nativa e conseqüentemente à liberdade de ser si mesmo), mas que ele consegue no dia-a-dia (cultura industri-All religiosa – Mac-doniz-ação maquinal alienante).

Concessões mínimas (o masoquista pode escolher o objeto que lhe infligirá dor), pequenas sobras (teologia gospel enlatada e vencida - "fora do prazo de val-idade"), transformam-se em "grandes vantagens" (charco sapal religioso – “universo” galináceo fundamentalista e demente), sensação de que já se alcançou alguma coisa em meio à miserável multidão despossuida.


Há, contudo, um substrato de esperança e Amorosidade Latente que sustenta e apoia o humano no existir. A morte não existe,  o grotesco e o desumano não terão a palavra final. Oxa-lá-e-aqui!

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sens-ação in-evitável

Sens-ação in-evitável 
 Miguel Garcia


Ai mãe, cadê teu rosto sereno, sombra de nuvens em teus olhos cinzentos como o mar?
Cadê tuas idéias singulares?
Por que fugistes de mim por alameda de eventos tão súbitos e dolorosos?
Fitei a vida inteira nos pontos do existir que abrigam memórias tuas. Cadê o conforto que nutria minha alma - santa delícia de tua presença benfazeja e revigorante?
Serei capaz de alijar em palavras isso que sufoca, tal consolo me alcançaria?
Ai mãe... Tenho considerado a vida totalmente inútil e sem sentido. Que solidão torturante!
Cadê a mulher que compartilhava meus segredos – sonhos, desejos, que me alojava em si?
Tédio doloroso - vazio interior é tua ausência aqui - tudo vira um deserto, um deserto horrendo, assolado por tempestades de melancolia e tristeza abrasa-dores.
A vida parece girar tão rápido agora que você partiu... Chego ao ponto de nada mais desejar, a não ser, precipitar-me direta-mente no insondável, pois, quem se abandona não se prende à vida.
Ondas de um mar invisível rasgando o tempo... Oh! Lembranças entaladas na garganta: agarro-me a vós como alguém que sente o abismo sob os pés: cadê a mulher que me amava – minha Deusa - heroína, minha fonte, eu mesmo?
Que horror ser lançado ao caos como que por um alçapão aberto no caminho plano da existência, que horror! O coração bate em falso, o real despenca como pedra que cai do peitoril: cadê aquele olhar maternal, a claridade daquelas emoções? Cadê meu mar calmo, brilhando magnífico e azul, as paisagens delir-antes, as mil flores, o brilho de emoção que emudecia meu olhar?
Sei que toda dor é covarde. O sangue congelou em minhas veias, não nego. Sinto-me exaurido, esmagado, chicoteado por ironias – árvore atingida por um raio, desmaiado, sem alento, morto: será que um dia emergiremos juntos desse túmulo mortal? Ai mãe, cadê minha esperança?

terça-feira, 2 de março de 2010

Ta tudo do-minado!

Ta tudo do-minado!
(Sobre ex-pressão corpor-ALL)
Miguel Garcia



Hiperbólica a importância que o imaginário social dá ao corpo e a sexualidade. Mulheres sensuais e seus freqüenta-dores vorazes reluzem em destaque permanente. Reina o olhar que sensualiza as linhas corpor-ais fe-mininas, erotiza os gestos, fragmenta a total-idade, reduz, cois-i-fica, nor-matiza psicoses, condena, despersonaliza e por fim, nega a pessoa humana em plenitude.
Soube de Intelectuais livrescos e misóginos que devastaram as paisagens do imaginário coletivo com idéias que distorceram as faculdades com que nosso espírito cria imagens, representações e fantasias, dentre os tais desprezíveis, destaco G. Freyre e C. Prado.
Propostas como o "saneamento da raça", produção de um povo higiênico, saudável, limpo e belo e, a cura da fealdade, foram disseminadas em publicações abundantes. Os homens e mulheres “cultos” do Brasil, referenciados pelas teorias racistas européias, deflagraram poiese alta-mente destrutiva.
Prossegue implacável a sujeição aos padrões dominantes de existir, da aparência à subjetividade: Pedagogia dos corpos, educação dos sentidos, autocontrole e pouca expressividade emocional – práticas da dominação. Para além das mentes, esse poder mundico estende-se sobre os corpos, os gestos e as individualidades, ameaçando capturar a própria vida.
Queira ou não, o indivíduo acaba por atuar na política racista de domesticação dos corpos de indivíduos.
Fiquei sabendo de doutores que são obcecados com a higienização de todo o povo brasileiro, com o branqueamento da raça e com a domesticação das mulheres. Soube que esses últimos também definem o corpo masculino belo, enquanto estigmatizam o seu oposto, o do homem pobre, feio e "preguiçoso": discursos das elites, polarizando com os ideais de pureza e limpeza - autoritarismo de quem entende que embelezar toda uma população implica corrigir e adestrar os diferentes, para torná-los um todo homogêneo e coeso à imagem do Homem.
Maldito o conceito de que o homem capaz de talhar no mármore a Vênus, também seria capaz de moldar plasticamente toda a humanidade, mal-dito.
Soube também que o que se pretende como melhoria do povo resulta em pedagogia totalitária da população, em biopolíticas. Soube que Monteiro Lobato propôs a esterilização dos negros como método radical para branquear a raça, entendendo como possível "o conserto do mundo pela eugenia: ideário nacionalista e racista.
Como essas concepções tão excludentes e hierarquizadoras ganharam crédito e tornaram-se hegemônicas em toda, ou quase toda a sociedade, repetidas como verdades, sem maiores questionamentos? Margareth Rago explica!
Ditadura do corpo e da beleza: a exigência número um para a aceitação e o sucesso tornou-se a própria expressão corpor-ALL.


Sou negro
Negro sou sem mas ou reticências
Beiço
Pixaim
Abas largas meu nariz
Tudo isso sim
Negro
e pronto!...

Poema em versão modificada,
faz parte de capítulo do livro Literatura afrobrasileira