quarta-feira, 27 de abril de 2011

Não/Vê?

Não/Vê?
Por Miguel Garcia

Não vê como é mofada a tradição religiosa, a liturgia, o ritual descolorido e remendado, ferindo o olhar sensível, não vê?
Não vê a despudorada negação nos gestos tidos por piedosos – a palavra da alma gritando por socorro?
Não vê o choro e os gemidos angustiados que permeiam missas católicas e protestantes, não vê que o pranto e a aspereza dos ruídos tem a ver com uma violenta irritação por aquilo que contraria os sofrentes cultua-dores ?
Não vê o tamanho da carga que as pessoas deitam sobre os ombros sem pro-testar?
Não vê essa constelação de fenômenos neuróticos que, centrados ao redor dos escrúpulos, tendem a acompanhar, como uma triste sombra, a vivência religiosa?
Não vê a angustia dissimulada, diante de deus (cri-a-dor de câmaras de tortura para vingar-se de seus desa-fetos), o temor do castigo-inferno, a conformação excessivamente moralizante da vida, que converte a consciência num guardião implacável, vigiando dia e noite...?
Não vê que isso tende a alimentar continuamente a raiz do escrúpulo - essa inquietação do espírito que hesita em obrar receando que o ato não seja lícito? Não vê que essa “planta” devoradora deveria, em vez, tender a murchar na libertadora presença do amor de Deus?
Não vê que até a própria espiritualidade considerada normal está infectada – contaminada por vírus que se opõem ao bem? Não vê que ser normal também é doença? Não vê o demasiado legalismo, o demasiado medo – fobia, a demasiada falta de espontaneidade e de alegria na relação com "Deus", não vê?
Não vê o sadismo na obrigação de assistir cultos, o masoquismo em cumprir obrigações; que supõe na vida a possibilidade de salvação-condenação, não vê? Não vê o fardo pesado que lhe atam ao lombo, a enfadonha série de estorvos que entorpecem e tornam nebuloso o caminhar de quem é religioso? Não vê que, se é enfermo o viver do “rebanho” é porque  deve estar comendo ração contaminada e ou bebendo águas rotas? Não vê que a preg-ação é sempre um termômetro preciso da teologia? Não vê que a turba recebe dela os temas e as pautas e nela busca a sua orient-ação?
Não vê que daí resulta um estilo tristonho e negativo que impregna totalmente a atmosfera religiosa que res-piramos, filtrando todas as nossas vivências, manchando todas as nossas atividades e marcando a maneira profunda de nossa vida. Não vê que assim estabelece, fatalmente uma espécie de círculo vicioso?
Não vê a seleção dos dados ou expressões que confirmam a atual situação? Não vê o povo cego para quaisquer outros – aqueles que poderiam trazer perspectivas novas, justas, reconfortantes e libertadoras, não vê?
Não vê a demência por trás de “doutrinas” como a predestinação, ou a da concepção jurídica da redenção, ou ainda a versão ingênua, cruel e legalista do pecado original – a “visão” da existência humana concreta como duro castigo por falta que ninguém cometeu, não vê?
Não vê isso tudo que contamina o pano de fundo da vivência espontânea e da reflexão aberta – não viciada em automatismos e ou binaridades?
Não vê a dialética do poder às custas daquela do serviço operando incessantemente?
Não vê a consciência dos fiéis sendo “educada” num ambiente de dominação, de imposição e de obrigação?
Não vê a imagem de Deus invertida que apresentaram a nós? Não vê o círculo demoníaco em que estamos metidos? Não vê sufocada a consciência inicial, viva e gloriosa da boa notícia degenerada em religião triste, desiludida e opressora, não vê?
Não vê o povão posando de ser feliz e triunfalista à sombra de um deus rival do humano – rival avassalador por sua prepotência e terrível por sua onipotência? Um deus que existindo impede que as pessoas desenvolvam suas capacidades; do-minando tudo e todos, julgando e limitando, não vê?
Não vê que o fundamentalismo religioso de ontem e de hoje teima em revelar-se: absurdo, colonialista, contra a ciência, contra a liberdade, contra o progresso, contra a responsabilidade, contra o sentido crítico, criminoso, dogmático, egoísta, enganoso, podador da personalidade, escravagista, explorador, fanático, falso, fatalista, fraco, frustrante, hipócrita, subvalorizador do homem, individualista, ineficaz, intolerante, misantrópico, ópio, obscuro, patológico, racista, reacionário, repressivo, sem abertura, supersticioso, não vê?
Não vê essa enorme “presença” opressiva “pairando”: o deus da religião obtusa e dogmática? Não vê que a eliminação do mesmo se torna necessária para que o ser humano possa crescer livre-mente e expandir-se sem impedimentos ao sol da vida e do progresso, não vê? Não vê que os mestres da suspeita ajudaram fundamentalmente o cristianismo a estar consciente de certas anomalias: Nietzche, Marx, Feuerback, Freud, Girard, entre outros? Não vê que uma espiritualidade apoiada no Amor/Divinal-libertador projetaria uma imagem muito diferente, que imporia a ela um tom diverso, não tão universal e univocamente vencido com respeito a uma avaliação insidiosa e opressiva do religioso, não vê?
Não vê que a maioria dos gurus religiosos falam, falam e não dizem nada de coisa alguma? Não vê as miragens de imaginações iludidas, não vê a magia fascinante que os tais impõem às míseras palavras que lhes escapam? Não vê que vem deles os parasitas que adoecem a boa linguagem espiritual, não vê que nem mesmo resvalam a amplitude do real, não vê? Não vê como são hábeis em excluir conceitos vitais, sem tanger linhas mestras? Não vê como falam cozendo feitiços? Não vê que o homem não pode ser leão, que um círculo não pode ser quadrado, que o finito não pode ser per-feito e que a vida não pode ser um mar de rosas, não vê? Não? Não/Vê?

Ins-pirado em Torres Queiruga - Recuperar a Salvação

Vassum Crisso!

terça-feira, 12 de abril de 2011

"Eu me AMO". O Brado da liderança “ev-angélica”.

"Eu me AMO". O brado da liderança “ev-angélica”. 
por Miguel Garcia

Sendo os artistas principais do palco igrejeiro, obrigam-se a se amar, inevitavelmente.
Talvez não seja um erro o fato dos clérigos se amarem tanto pois, sabidamente, a auto-estima sadia é uma atitude que contribui para a própria sobrevivência. E essa inclinação para a sobrevivência não é monopólio do animal-humano, trata-se de uma característica do mundo animal como um todo, uma imposição da própria biologia.
O recém nascido grita diante da fome (já ensaia comandar o mundo aos berros), quando maiorzinho pode tomar o alimento de outra criança menor para satisfazer-se e, depois de adulto, continua achando sua fome mais sofrida e mais importante que a fome dos outros.
Se há nesse mundo alguma coisa capaz de parecer mais importante que as carências e necessidades da classe clerical é, sem dúvida, a carência e necessidade de suas crias (filhos, parentes, herdeiros). Isso faz parte da luta pela vida e sobrevivência da espécie bípede-humanal da qual fazem parte.
Se amar a si mesmos for biológico, fisiológico e, portanto, inevitável, talvez o que se estranha, quem quer que estranhe alguma coisa, é o fato de negarem essa auto-paixão e a paixão a tudo que diz respeito a eles mesmos. É essa negação ou dissimulação da absoluta preferência à si mesmos em detrimento de tudo e de todos que se pode chamar de hipocrisia, talvez, "hipocrisia fisiológica clerical": projetar modéstia e, conseqüentemente falsa humildade, pode ser muito acobertador quando se sabe como .
É claro que se compadecem com a miséria alheia, com a dor de seus próximos, com o sofrimento humano em geral. Mas, algumas (não poucas) vezes esses sentimentos representam um falso altruísmo, como se projetassem neles mesmos o infortúnio alheio. Como seria se essa tragédia se abatesse sobre nós?
Pode ser desse tipo o sentimento que os motiva a dar uma moedinha para o paralítico do semáforo.
O fato de se amarem implica, como em todos os casos de amor, em inesgotável tolerância para com eles mesmos, para com sua corte de lambe botas.
O ensinamento cristão para amar o próximo como si mesmo talvez sugira, nas entrelinhas, serem tão tolerantes com o próximo como o são consigo mesmos.
Só conseguiriam compreender a fisiologia psíquica do próximo se entendessem que a natureza deste está também presente, invariavelmente na deles próprios.
A sólida crença em serem especiais fica bastante clara, tanto na saúde quanto na doença mental.
Nos mais esquizofrênicos, por exemplo, existem as conhecidas idéias de referência, através das quais se imaginam um ponto de referência do mundo: se pessoas são enviadas de Deus são eles (os "heróis", objetos de transferência, os chefes, as pessoas centrais da igreja e ou  mebros de suas famílias), se pessoas têm poderes sobrenaturais são eles também, se alguns são “vítimas” de um complô cósmico são eles e assim por diante.
Especialmente eles, os esquizofrênicos, têm poderes especiais para ouvir as vozes do além, perscrutarem pensamentos alheios, influirem no destino das pessoas, do clima, da sorte... Eles não acreditam que isso seja doença. Embora ninguém mais ouça tais vozes e todos os demais sejam considerados humildes mortais, eles, os esquizofrênicos homens e mulheres de deus, foram aquinhoados por dons muito especiais.
A ausência dos freios éticos que os impedem de reconhecer publicamente sua pretensa magnitude, que é o gigantismo de seu Ego, estaria naturalmente recolhida no inconsciente de cada um deles em condições de saúde, e estariam liberados em seu estado natural na Esquizofrenia.
O tipos mais histéricos da classe clerical, por sua vez, também se acham os mais sofridos dos humanos. Eles não podem ter dissabores sob o risco de passarem mal, suas dores são mais doídas... Quando um guru-histérico desses diz perder o controle, parece que isso acontece completamente emancipado de sua vontade e arbítrio, ou seja, uma coisa sobre a qual ele não tem a mínima influência.
Eles são especiais em suas dores, especiais em suas queixas, suas crises e suas limitações, assim como se acham especiais em seus dotes, suas habilidades, beleza e simpatia.
No simples diálogo cotidiano, tais histéricos “iluminados” normalmente só param de falar de si mesmos quando perguntam "o que os interlocutores pensam deles".
Os mais deprimidos, também costumam imaginar que são "beldades", grandes sofredores, incluindo aqueles cuja auto-estima se diz rebaixada. Ao se queixarem de inferioridade, como por exemplo não se sentirem gostados, se sentirem abandonados, sozinhos, enfim, com sentimentos que os tornam apáticos e infelizes, na realidade estão reclamando de um reconhecimento, de um amor, compreensão, carinho, solidariedade, companhia, etc, de que se julgam merecedores.
Esses um tanto mais deprimidos ressentem-se daquilo que lhes é negado ou lhes é dado aquém de suas exigências. De fato, trata-se de um falso sentimento de inferioridade.
Ao se queixarem de que a vida não tem sentido, ao invés de inferioridade os tais deprimidos patrões-da-igreja mostram o altíssimo grau de exigência para com a vida, já que é a mesma vida de seus pares não deprimidos. Eles, esses seres “tão especiais”, não se satisfazem com a simples vidinha que todos nós outros vivemos....
Evidentemente os eufóricos dispensam maiores comentários acerca de suas predileções. Basta lembrarmos da anedota segundo a qual o paciente entra no consultório do psiquiatra e vai logo dizendo: "doutor, sou o maior megalomaníaco do mundo". risos...
Parece haver nos mais histéricos (pentecos-tais, neos, ortodoxos, um misto de tudo?) uma certa satisfação dissimulada com seu próprio sofrimento. Eles sentem, não apenas a exótica constelação sintomática de seus males, os quais vivem desafiando conhecimentos da medicina mas, inclusive, quando sentem também os efeitos colaterais dos medicamentos.
São efeitos colaterais que bem poucas pessoas sentem, mas eles, tão especiais, tão sensíveis e tão vitimados (ou contemplados) pela excepcionalidade de seu ser, sentem tudo aquilo.
Vista assim, ou seja, quase fisiologicamente, a histeria (experimentalismo infatigável, intelectualismo entrincheirado, etc..) pode ser considerada uma variação quantitativa da normalidade. Isso quer dizer que, em menor ou maior grau, todos nós religiosos temos algo de histéricos.
Se falta ao – lider-histérico-religioso o medo do ridículo e a inibição social adequada, sobra-lhe sinceridade e teatralidade simultaneamente; sinceridade por reclamar, em alto e bom som, toda atenção que gostaria de receber e se acanha. Teatralidade porque faz isso de forma artística e altamente convincente.
Portanto, os histéricos-religiosos são, sobretudo, uns sinceros. Sinceridade essa, suficiente para se apresentarem ao mundo através do papel social de seres excepcionais, tão excepcionais como todos nós também acreditamos ser.
Diante da necessidade da doença e da limitação os histéricos-religiosos continuam sendo excepcionais; excepcionalmente fracos, excepcionalmente vulneráveis, excepcionalmente vitimados pelo infortúnio, excepcionalmente incompreendidos pelos demais...

Adaptado da fonte Psique Web.

Vassum Crisso!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre os mais recentes assassinados no Rio se é que já não estou atrasado!

Sobre os mais recentes assassinados no Rio se é que já não estou atrasado!
Wellington Menezes de Oliveira não é propriamente aquele que além de tudo, merecia ser castigado como malfeitor, mas sim um coitado de quem é preciso ter dó. O número de vítimas diretas e indiretas dessa tragédia que ocorreu no Rio é incontável, do meu ponto de vista deve-se incluir o próprio assassino como uma delas.
Miguel Garcia