sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Antes de ler um livro “evangélico”

Antes de ler um livro "evangélico":
Miguel Garcia


Leia Schopenhauer - A ARTE DE ESCREVER!


Saiba que o sagrado tem a ver com justiça e misericórdia e não com o cultivo de experiências místicas, atitudes “piedosas” e celebrações cerimoniais. Saiba que as relações dos homens com Deus têm de passar pelas relações dos homens uns com os outros:

“Abomino e desprezo vossas celebrações solenes. Corra, porém, a justiça como um rio impetuoso...” (AM 5:24).

Antes de ler um livro “evangélico” saiba que as atenções de Deus estão voltadas para os que se encontram fora dos círculos da riqueza e do poder. Saiba que religiões protegidas pelo estado só podem estar a serviço do mesmo (observe como os clérigos transitam livremente pelas largas avenidas do poder político).
Antes de ler um livro “evangélico” saiba que existem; tanto os que oprimem os pobres, como aqueles que sacralizam e justificam a opressão, envolvendo-a na aura da aprovação divina. Saiba que os nomes de Deus podem e são usados pelos interesses da opressão - abuso, exploração, enriquecimento ilícito, violência emocional, por pastores, bispos, missionários, apóstolos, padres e demais homens e ou mulheres “de Deus”:

”Eles enganam meu povo dizendo que tudo vai bem quando nada vai bem. Pretendem esconder as rachaduras da parede com uma mão de cal...” (Ez 13:10).

Saiba que existe algo como uma ambivalência da religião:

“... ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou escravizar”. Rubem Alves.

Saiba que os poderosos usam as mesmas palavras sagradas e invocam os poderes da divindade como cúmplices da guerra e da rapina, infantilizam, abusam, escravizam e exploram as massas, impiedosamente e isso já desde sempre.

Saiba que os vencedores não são generosos. São eles que escrevem a história e, é esse o motivo porque não se encontra nelas as razões dos derrotados – suas memórias, denúncias, suas queixas. Saiba que visões como essa só aparecem em meio a pobres e fracos. Saiba que a maioria esmagadora dos assim considerados escritores “evangélicos” ou cristãos, escreve sobre a religião dos fortes, dos vencedores, justamente a que os profetas bíblicos e outros tantos denunciaram ao longo da história e isso sob pena de perderem suas vidas..

Antes de ler um livro “evangélico” saiba que: a maneira pela qual pensamos é condicionada pela textura de nossas vidas, sendo assim, os poderosos pensam diferente daqueles que não têm poder. O mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes, seus sonhos, suas religiões e até seu Deus.
Antes de ler livros “evangélicos” aprenda a questionar seus pressupostos – suas certezas. Procure ir além de seus automatismos concordo-discordo, sim/não, ou/ou, e assim em diante. Saiba que nenhum conhecimento é final. Que a familiaridade é inimiga do conhecimento, que somos tendenciosos a reduzir, que o erro e a ilusão são inseparáveis do conhecimento, que todo conhecimento os inclui, que de nossa identificação com nossas “certezas” participa também a dimensão emocional. Antes de ler saiba que o mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções, e é nossa estrutura que permite essas percepções – nosso mundo é nossa visão de mundo e existem tantas realidades quanto pessoas percebedoras (Maturana, Marioti).
Antes de ler um livro “evangélico” entenda que ler significa reler e compreender - interpretar. Que cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam (Boff). Saiba que todo ponto de vista é a vista de um ponto (Boff). Cada leitor é co-autor. Antes de ler um livro “evangélico” saiba que o texto tenta o leitor a interpretá-lo. Saiba que o entendimento final é uma ilusão, um fruto sedutor ao alcance da mente falível: crer é morder (Giannetti). Ler é recriar. A palavra final “não é dada por quem escreve”, mas por quem a lê. O diálogo interno do autor é a semente que frutifica (ou definha) no diálogo interno do leitor (Giannetti). E por fim, antes de ler um livro “evangélico”, questione seus pressupostos, todos eles, só pra começar: duvide, duvide e duvide. Antes de ler um livro “evangélico” experimente algumas dessas singelas sugestões ou então: seja “feliz” por ser “evangélico”.
A leitura não passa de um substituto dos pensamentos próprios (quando se possui algum, é claro). Leia apenas quando precisar regenerar seus pensamentos.

Um comentário:

Anônimo disse...

quanto mais eu te conheço, mais eu te amo...tk