(Sobre psicologia coletiva e liderança)
Miguel Garcia
Havia um anseio naquelas pessoas. Anseio por uma personalidade forte, seu respeito e temor diante dela. Homens e mulheres desejavam “viver” sob o comando de um macho dominador. Essa pessoa central conservava seu grupo unido por certas qualidades suas. Era admirada por sua equanimidade nos casos onde os demais sentiam vergonha e humilhação, aniquilava o medo e permitia a todos sentirem-se onipotentes, “permitia” a expressão de impulsos “proibidos” e desejos “secretos”, seduzia por não abrigar os conflitos que afligiam seus subordinados.
O líder era importante muitas vezes, pelo simples fato de ter praticado o ato inicia-dor quando ninguém mais ousou fazê-lo, ou quando ninguém se sentiu livre, poderoso ou astuto o suficiente para tanto. Os atos ilegais do grupo iam sendo justificados na medida em que o grupo inteiro compartilhava a responsabilidade por eles. As particip-ações do grupo refinavam a realidade quotidiana e coroava-lhe com a aura do sagrado e, por conta disso, seguiam-se os assassinatos (abusos, explorações e exclusões). O grupo eliminava apoiado em seu líder, apoiado pela magia da prioridade. Isso fazia mais do que aliviar a culpa: na verdade transformava o fato dos crimes. Se uma pessoa matava sem culpa e imitando o líder-herói que correu o risco através da ação iniciadora, ora, então isso não era mais homicídio: era uma agressão sagrada - transformação heróica mágica do mundo e de si mesmo. Esta era a ilusão pela qual as pessoas anelavam e que fazia da pessoa central um veiculo tão eficaz para as emoções do grupo. Não que por sua vez o grupo abrisse mão de usar seu líder para diversos tipos de absolvição e alívio de conflitos - para amor e até para o oposto. Usavam seu líder com pouco ou nenhum respeito por ele pessoalmente, atentos a satisfazer suas próprias necessidades e impulsos. O líder era tanto uma criatura do grupo, quanto este dele. Perdia sua distinção individual por ser líder, assim como eles por serem seguidores. Não dispunha de mais liberdade para ser ele mesmo do que qualquer outro membro do bando/agrupado, exatamente porque tinha de ser um reflexo das suposições dos demais a fim de, inicialmente qualificar-se para a chefia.
Melancólico observar quão pouco heróico é o homem comum, ainda quando segue “heróis”. Simplesmente jogam sobre estes últimos suas próprias bagagens; seguem com restrições, com um coração desonesto. Entram no “transe hipnótico” com reservas, sem livre e incondicional entrega. São usados que também usam - descartáveis que por sua vez também descartam.
Heroísmo tímido o do comportamento coletivo. Nada de livre ou másculo neles. Ainda quando fundem egos com o do pai autoritário, o feitiço acha-se em seus próprios interesses mesquinhos. As pessoas usam seus condutores quase sempre como uma desculpa. Quando cedem às ordens do líder, reservam o sentimento de que tais comandos lhes são estranhos, de responsabilidade do líder, que os atos terríveis que estão cometendo são em nome dele e não de si próprias, daí a ausência de culpa. Elas podem imaginar-se vítimas temporárias do líder. Quanto mais cederem ao seu fascínio e quanto mais terríveis os crimes que cometerem, tanto mais podem achar que os erros não foram delas. Eis que é tudo claro nessa utilização do líder.
Por fim aqueles que destroem por ordem do líder não mais são assassinos, mas heróis santos. Eles anseiam seguir na aura possante que o pai autoritário projeta e levar avante a ilusão que lhes fornece, a ilusão que lhes permite transformar heroicamente o mundo. Sob o fascínio hipnótico dessa pessoa central e com a força total de seus próprios impulsos de auto-expansão heróica, não precisam ter medo; podem matar tranquilamente; negando-se a ouvir e, assim negando a existência, a dignidade, singularidade ou ainda a legitimidade de outrem. Com efeito, na aparência achavam estar fazendo um favor às suas vítimas; santificaram-nas, incluíram-nas em sua missão santa e as vítimas santificadas tornavam-se uma oferta sagrada às exigências de novas divindades investidoras de recursos. E assim comunidades vão obtendo mais vida através da morte das vítimas que, gozarão do privilégio de servirem ao mundo da maneira mais elevada possível; por meio de sua própria morte sacrifical.
Ins-pirado na obra de Freud (Análises do Ego), Redl, Adorno, Backer e outros bichos!
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