quarta-feira, 23 de junho de 2010

Quem dera a im-perfeição virasse moda na igreja!

Quem dera a im-perfeição virasse moda na igreja!
Miguel Garcia


Minhas melhores canções são as mais dissonantes. Meus melhores poemas, os que confundem cabeças. Músicos e escritores devem ser verdadeiros para com a Verdade. A única maneira de descrever o humano verdadeiramente é através de suas imperfeições.

Aprendi isso na vida e com Joseph Campbell; que o ser "humano perfeito" é desinteressante – 'um Buda que abandona o mundo'. Rememorei peregrinando por leituras, que são apreciáveis as imperfeições da vida. Sei que palavras como essas podem ser recebidas como se fossem dardos mortais - setas inimigas de pressupostos arraigados e até sacralizados - algo que fere, no entanto, devo afirmar que se mato algumas crenças no caminho de minhas reflexões, o faço com amor, por amor abato com sentenças “cruéis” e analíticas.

Perfeição é algo tedioso – desumano. Cito como exemplo, a estrutura das canções religiosas industriais (melodia, harmonia, ritmo e poesia), enfadonhas em sua pretensão de expressar um ideal perfeito, sendo que adorável é o umbilical, a human-idade – aquilo que se faz gente e não sobrenatural e imortal.
Campbell sugere ainda que a razão de muitas pessoas terem dificuldade de amar a Deus é por não haver nele imperfeição alguma. Você pode sentir reverência, alerta Campbell, mas isso não é amor. É o Cristo crucificado que desperta nosso amor, afirma categoricamente. “Sofrimento. Sofrimento é imperfeição, não é?”, e com isso, arre-mata-a-pau.

A história do sofrimento humano, a luta diária e frenética, a vida criatural, tudo o que a condição limitada traz à tona como possibilidade, isso sim é bacana, é tudo de bom – transparente de eternidade aqui, do Belo, humanal, encarnado - crístico.

Quem dera a ver-dadeira Arte recebesse um convite para ingressar no período de louvor... Quem dera a im-perfeição virasse moda na igreja!

3 comentários:

Paulo Cruz (PC) disse...

Prometo postar um comentário se me disseres de que "Perfeição" falas tu (rsrs).

Me parece que tu, como um bom ora-dor, misturaste, pelo menos, duas bolas...

Perfeição artística, existencial, bíblica...? Qual?

Aguardo a aguardente de teu agouro!

Abração!

Paulo Cruz (PC) disse...

Primeiro porque nem tudo pode ser aplicado a tudo. Você pode fazer um teste prático sem mesmo sair aí da sua cadeira.

Como eu não consigo generalizar com essa maestria toda, vou analisar separando mesmo (rsrs).

Para os gregos, por exemplo – e remeto-me a eles porque é deles o idioma do Novo Testamento –, a palavra “perfeição”, telos, não pode ser encerrada num conceito estanque. Ela pode significar algo inacabado também; como uma flecha lançada cujo alvo sempre está adiante, mas nunca é atingido.

Quando Jesus diz: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5:48) – a palavra utilizada é telos.

Quanto a perfeição artística, cito Tarkovski (sempre providencial quando se fala em arte):

Uma coisa é certa: uma obra-prima só adquire vida quando o artista é inteiramente sincero no tratamento que dá ao seu material. Os diamantes não são encontrados na terra negra; é preciso procurá-los próximo aos vulcões. Um artista não pode ser parcialmente sincero, tanto quanto a arte não pode ser uma aproximação da beleza. A arte é a forma absoluta do belo, do perfeito.. (TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo, grifo meu)

E Robert Bresson diz ainda:

A única maneira de alcançar a perfeição é evitar tudo que possa levar a um exagero consciente. (BRESSON, Robert. Notas Sobre o Cinematógrafo)

Portanto, me parece que a arte só existe porque o mundo não é perfeito; e ela busca justamente dar sentido a essa imperfeição, buscando a perfeição através do Belo. Usando para isso a absoluta sinceridade e entrega do artista.

Vale lembrar: As canções religiosas industriais que você cita, são duvidosas demais para podermos dizer que elas têm qualquer pretensão de alcançar o Belo, o Sublime. São mercadoria, e só.

Finalizando, você cita Joseph Campbell. Eu, para fazer um contraponto, citarei Mircea Eliade. O que Eliade fala da perfeição no contexto das religiões? Vejamos:

Ora, “no começo” passava se isto: os Seres divinos ou semi-divinos estavam ativos sobre a Terra. A nostalgia das “origens” equivale, pois, a uma nostalgia religiosa. O homem deseja reencontrar a presença ativa dos deuses, deseja igualmente viver no Mundo recente, puro e “forte”, tal qual saíra das mãos do Criador. É a nostalgia da perfeição dos primórdios que explica em grande parte o retorno periódico in illo tempore. Em termos cristãos, poder-se-ia dizer que se trata de uma “nostalgia do Paraíso”, embora, ao nível das culturas primitivas, o contexto religioso e ideológico seja totalmente diferente do contexto do judaísmo cristianismo. Mas o Tempo mítico que o homem se esforça por reatualizar periodicamente é um Tempo santificado pela presença divina, e pode se dizer que o desejo de viver na presença divina e num mundo perfeito (porque recém nascido) corresponde à nostalgia de uma situação paradisíaca.
Como já observamos anteriormente, este desejo do homem religioso de retornar periodicamente para trás, seu esforço para restabelecer uma situação mítica – a que era in principiam pode parecer insuportável e humilhante aos olhos do homem moderno. (...) Um psicólogo moderno seria tentado a decifrar num tal comportamento a angústia diante do risco da novidade, a recusa a assumir a responsabilidade de uma existência autêntica e histórica, a nostalgia de uma situação “paradisíaca” justamente porque embrionária, insuficientemente libertada da Natureza.
(ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano, grifos meus)

Pronto, falei.
E você não pode me culpar de nada, pois só falei pela boca de outros (rsrs)!

Ai ai! Só você mesmo para aguentar esses meus arroubos (hahaha)!

Grandíssimo abraço.

Miguel Garcia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.