segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

À sombra da felicidade


À sombra da felicidade
Miguel Garcia

Naquela tarde benfazeja, tudo em redor se fez lentidão, demora... vagueava o pensamento e então meu olhar caminhou sem destino pelas sobras das horas...

Aninhado nos braços de um enorme esgotamento físico, adormeci em um banco perolado - reluzente como néon que acende paisagem soturna, numa quietude aberta entre o meio dia e o anoitecer.

De súbito, por não mais suportar os ruídos de um silêncio que afligia, como que por intuição antevi um ensejo flutuando ao sabor de um mar de memórias vagas... ao redor, a orgia de vegetais viris penetrando e fertilizando a terra com raízes nuas despudoradas - voyeurismo espelhado em lembranças tão quiméricas minhas...

Deitado e suspenso no poder da totalidade, adormecido e acordado, num real/absurdo, crepitava a alma na ardente paixão de viver, a luz atravessava tudo, possuía o mundo, lambia o suor da minha pele que gozava sem parar o existir...

Gemido das correntes de ar - erotismo nos galhos e folhas roçando aragens libertinas, flores prontas pra beijar e arranhar olhos cobiçosos – invadindo feito Mab a parteira das fadas, como um espírito, varando corpos virgens com aromas enfeitiçantes-engravidantes...

À esquerda da felicidade, as Choronas, três delas, como as Parcas, fiandeiras do destino dos que repousam sob lamentos sombrios... Ao centro do jardim, um rio, como no Éden, cochilava sossegado logo abaixo das palmeiras imperiais - anunciação de um Reino Presente, enquanto roseiras solitárias renunciavam pétalas vermelhas quentes, num sacrifício de amor que escorria tingindo o solo da sensibilidade.

De repente tudo fazia sentido e eu já não era separado de Deus, da natureza ou de mim... estava tão pleno...

Deitado à sombra de uma árvore de eixo dividido e multiplicado, se expandindo até roçar a imensidão azul, de onde pequenos sóis travessos me espiavam pelas frestas de ramarias serpenteando, entre cachos e mais cachos de uma esperança verde-limão, suavemente perfumados, tenros - ligação entre dois mundos, foi então que vivi a aventura de abrir as janelas do corpo e da alma, à sombra de um arbóreo encantado, à sombra da felicidade
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