sábado, 21 de novembro de 2009

Animais de bando!
Miguel Garcia


Ele enlouquecia de lucidez - lou-cura que perpassava mundos no interior de si, descortinava uni-versos que já não cabiam em sua alma atormentada. Transbordava em qualquer brancura,  nas fendas das horas ruidosas. Interrogava compulsiv-a-mente: Por que as pessoas são tão fáceis de dominar quando agem em grupo? Contagio mental e instinto de rebanho, não dava conta de explicar o que ele próprio havia feito de seu julgamento e bom senso quando membrado a grupos religiosos fundamentalistas. Gemia ao perceber que as pessoas são tão fáceis de dominar quando agrupadas, simplesmente porque se tornam crianças dependentes outra vez, cegamente seguindo a voz interiorizada dos pais, que lhes chega sob o fascínio hipnótico de um líder. No processo abandonam seus egos ao do Fuhller (chefe), identificam-se com seu poderio, tentam funcionar tendo-o como ideal.
Lembrou das características sobrenaturais e coercitivas de formação dos grupos dos quais havia participado. Patrões em geral possuem uma “personalidade perigosa, perante os tais só é possível uma atitude passivo-masoquista, a quem a vontade de cada um tem de se dobrar. Ficar sozinho com um deles, fitá-los na face, parece ser um empreendimento arriscado. Ele compreendeu a causa da paralisia que existe no “vinculo” entre uma pessoa com poder inferior e outra com poder superior. Compreendeu que o homem tem “uma paixão extremada pela autoridade”, “quer ser governado por força irrestrita” e que é esse traço que o líder hipnoticamente incorpora em sua própria pessoa dominadora. Desmaiou em espírito ante a consciência insuportável de que as pessoas, incluindo ele mesmo, tenham uma aspiração a serem hipnotizadas justamente por quererem de volta a proteção mágica, a participação na onipotência, o sentimento oceânico de que desfrutaram quando eram amadas e protegidas pelos pais. É isso que mantém um grupo reunido, pensou amargurado e destruído num primeiro momento. Os grupos nada produzem de novo nas pessoas; apenas eles satisfazem as aspirações “eróticas” arraigadas que as mesmas levam consigo inconscientemente. Funcionam como uma espécie de cimento psíquico que agrupa uma turba matizada em uma interdependência mútua e indiferente; os poderes magnéticos do líder, retribuídos pela delegação culposa da vontade de todos a ele. Submergia num mar de consciências torturantes. Lembranças honestas o fizeram pensar em como pode ser perigoso encarar certas pessoas, ou como pode ser bom aquecer-se confiadamente na chama do poder de outrem. Rememorou que não temia o perigo em tempos de outrora. Como membro de um grupo não se sentia a sós com sua pequenez e incapacidade, já que "possuia" a “força” do líder-herói com que se identificar. Uma dependência confiante no poder do líder o fazia flutuar por sobre sua frágil condição concreta. Seu narcisismo natural aflorava na sensação de que se alguém tivesse que morrer, seria sempre o outro. Imaginava vitórias contra probabilidades absurdas, afinal de contas, dispunha dos poderes onipotentes da figura do pai - dos pais da igreja, visíveis ou não. Por que é que imerso no rebanho, havia ficado tão cego e bronco? Por que exigiu tantas ilusões dando ao irreal procedência sobre o real? Seria porque o mundo real é terrível demais para ser aceito; porque ele diz ao homem que é um animal pequeno e tremulo que definhará e morrerá? Sua ilusão modificara tudo isso: o fez parecer “importante, vital para o universo, imortal de certa forma. Estava furioso consigo, pois agora sabia que as massas confiam nos líderes para lhes darem justamente a inverdade de que precisam; o líder prolonga as ilusões que triunfam sobre o complexo de castração a as engrandece, elevando-as à categoria de uma vitória realmente heróica”. Eis o custo das “experiências novas”, “expressão” de impulsos proibidos, desejos secretos e fantasias, prosseguia torturando a si mesmo. Tudo era válido no comportamento coletivo, desde que o líder aprovasse. Era como ser um bebê novamente, encorajado pelo “pai” a satisfazer-se em plenitude, ou como estar no tratamento analítico que não censura coisa alguma que você pense ou sinta. No grupo ele podia ser um herói onipotente e dar plena vazão a seus apetites sob o olhar aprovador do pai. Compreendeu finalmente o aterrador sadismo da atividade coletiva. O que poria no lugar da obediência cega, ilusão e sadismo comunitário? Como não inflar-se com a importância de sua própria vida, o que contribui para a desvalorização da vida dos outros? Como abrir mão do narcisismo que ajuda a traçar limites nítidos entre os que são como eu ou pertencem a mim e os que são estranhos ou estrangeiros? Seu desejo de conservar-se mergulhado em uma fonte maior de poder foi devastador. Meu Deus: quanta escravização, maldade e contínua loucura política e religiosa, suspirou. Animais de bando! Praguejava in-feliz, porém iluminado.

Ins-pirado no legado de Freud, Rank, Backer, Brown e outros bichos!

2 comentários:

Paulo Cruz (PC) disse...

EI-LO

De-lira em mãos
o poeta empunha a pena.
Depois,
nervosa-mente em arremate,
o punho cerrado levanta
e grita: Arreda!

Ei-lo curado.

(PC)
__________________________

Obrigado, irmão, sempre!
Abraço afetuoso.

Alexander Carnier disse...

Poxa, Miguel... Este texto refletiu alguns pressentimentos meus. Com muito mais intensidade, claro.

"Animais de bando!" ...

"Como?"
Eis a questão.

Abraços fraternos
Alex