domingo, 27 de janeiro de 2008

Se é que posso ch-amar as-sim

Se é que posso ch-amar as-sim
Miguel Garcia



Eis a questão. Eis aí minha "dificuldade", se é que posso ch-amar as-sim.

Toda essa pulsão que me habita, esse desejo do ilimitado, da abertura, do poético, toda fome e sede de beleza, toda essa carência de plenitude, êxtase, sentido da vida, todo esse mar...

Enraizado no cotidiano, no prosaico, nos limites...

Torrentes impetuosas, todo esse anseio agitando-se dentro de mim em grandes ondas perturbando a paz de habitantes de margens seguras. Toda essa carência de vibração sobre-humana, de erguer-me acima do plano comum da existência...

Meu coração é caldeira ressurgente, coisa que encandece, borbulha, derrama, grita sua constante a-ti-vida-de, lança fora partículas quentes dos sentimentos, deixa escapar comoções para além da superfície da persona, lambe tudo, derrete tudo em sua trajetória e mistura a si mesmo. Naturalmente desastroso, erupções-poéticas-imprevisíveis tornam-se uma constante.

Tinge o céu dos ideais, remodelando a forma das nuvens de inquiet-ações, alter-ando o curso e velocidade do vento das in-certezas.

Câmara de magma, rocha ígnea, pressiona a solução que emerge através das fendas da pele, dos olhos, da boca, das mãos e escorre nas palavras e em minha poesia na forma de lava fluente e fluxos piroclásticos de ardentes paixões.

Lança fumaça e poeira, tinge o céu dos ideais inter-ditando dias, antecipando noites intermináveis... é assim meu coração - montanhoso e difícil de escalar. Desvanece feito esfera celestial, criando felicidade em toda a parte onde pousa seu olhar, suas luzes, seu calor... É assim meu coração...

Sei que o interesse apaixonado que assumo por quase tudo ainda vai me consumir...

O curso rápido e impetuoso das águas que fluem de dentro pra fora de mim, proíbem banhos ou mergulhos serenos, pescarias esperançosas, flutuar seguro na superfície para depois deslizar até margens sossegadas, proíbe travessias redentoras ou triunfais e até mesmo o saciar da sede, sem risco de arrastar repentinamente para longe e para o fundo de instâncias desconhecidas, um desatento visitante qualquer.

Meu cor-ação é assim... quer produzir tudo, seduzir, observar, com-part-ilhar, solidão de dois... quer perceber, fertilizar solo produtivo, "campos" nus... plantar e colher, quer ver brotar a flor e o fruto bendito das inter-ações, provar o doce e o amargo da filha das arbóreas-frugíferas, adular lábios-excitados-insaciáveis que querem devorar as "certezas" do mundo e as for-mata-ações amorosas.

Meu coração é assim, criança de tudo, filósofo e tanto, pergunta de tudo, inventa respostas, amarra o mundo, permeia, aglutina, quer fazer circu-lar os sentidos, signi-ficar...meu coração enreda, em cio constante de ger-ar, perpetua a espécie romântica.

Meu coração é "Hefestos" - fruto de uma solidão. Gerado apenas por mãe em seus momentos de cólera e vingança contra as infidelidades do aleatório, do caos.

Meu coração “desapontou”, nunca cumpriu vaidosas previsões, nunca foi perfeitamente belo e maquinal. Ah! esse “disforme” coração! Tão “repugnante”! Atirado ao mar das hesitações em noite sem fundo, entrou em espirais...

Ninguém soube desse coração recém-nascido... coração que o “futuro” revelaria artesão “divino”, o “perfeito” metalurgista das palavras e sentimentos... o barbas longas das emoções luxuriantes.

Ah! Esse meu coração incansável! Coração que trabalha e transpira suor luminoso, malhando na bigorna o ferro em brasa de toda impressão que chega, entra, mas que ainda não assumiu a forma do amor.

Eis a questão. Eis aí minha "dificuldade", se é que posso ch-amar as-sim.

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