quarta-feira, 9 de julho de 2008

Deus e o homem

Deus e o homemS. Kierkegaard

O homem que se interessa só ligeiramente e de raro em raro por sua afinidade com Deus, mal pode pensar ou sonhar que se acha de tal forma intimamente ligado a Deus, o que Deus se acha de tal forma perto d’Ele, que existe uma relação recíproca entre ambos: quanto mais forte é o homem, mais fraco é Deus; mais fraco é o homem, mais forte é Deus nele. Todo homem admite a existência de Deus, naturalmente pensa nele como o Mais Poderoso, como Ele o é eternamente, a criação é como nada; tal homem, porém, mal pensa na possibilidade de conexão mútua. Mas o Deus amoroso, que em amor incompreensível te criou a ti para seres algo para Ele, amorosamente exige algo de ti.

Aqui temos a conexão recíproca. Se o homem, egoisticamente, conservar aquilo que o amor fez por ele, e desejar egocentricamente ser algo, então, num sentido terreno, ele é forte – mas Deus é fraco. E é como se o pobre Deus quase fosse logrado: como amor incompreensível, Deus foi adiante e fez o homem algo – e logo depois o homem ludibria Deus e conserva aquilo como se fosse dele próprio. O homem terreno confirma-se na noção de que é forte, e é ativado talvez pelo julgamento profano de outras pessoas na mesma suposição, talvez por presumir que pode transformar a face do mundo – mas Deus é fraco. Por outro lado, se o homem abandonar esse algo, a independência, a liberdade de agir por si mesmo, que o amor lhe outorgou; se essa perfeição de seu desejo consiste em existir para Deus ele não abusará, tomando-a em vão; se Deus aliás, o auxiliar nessa veneração por meio de sofrimentos amargos, ele é fraco – mas Deus é forte. Ele, o homem débil, abandonou inteiramente este alguma coisa em que o amor o transformou, admitiu sem reservas que Deus tirou dele tudo o que era para ser tomado. DEUS somente espera o homem dar terna e humildemente seu jubiloso consentimento, e com isto entregar-se de maneira total, então ele é completamente fraco – e Deus é mais forte. Para Deus só há um obstáculo: o egoísmo do homem, que está entre Ele e o homem como a sombra da terra quando produz eclipse da lua. Se existe este egoísmo, então o homem é potente, mas sua força é a fraqueza de Deus; se o egocentrismo é inexistente, então o homem é fraco, e Deus poderoso; quanto mais fraco se torna o homem, mais forte Deus se torna.

Contudo, se é assim, então em outro sentido, no verdadeiro sentido a relação está invertida; e com isto chegamos à felicidade. Pois aquele que é forte sem Deus, é precisamente o que é fraco. A força pela qual um homem permanece só pode ser comparada à força de uma criança. Mas a força pela qual um homem permanece só em Deus é fraqueza – Deus é forte em tal proporção que Ele é toda a força, a própria força. De modo que estar sem Deus é estar sem poder. E ser poderoso sem Deus é ser forte... sem força; é como estar amando sem amar a Deus, e assim amar sem amor, pois Deus é amor. Mas quem se torna inteiramente fraco, Nele torna-se forte. E o fato de que Deus é mais e mais forte no homem, isto significa que também se torna mais e mais forte. Se pudesses tornar-te inteiramente fraco em perfeita obediência, para que, amando a Deus compreendesses que não és capaz de fazer mais nada, então todos os poderosos da terra, se estivessem unidos contra ti, seriam incapazes de ofender um cabelo de tua cabeça – que poder prodigioso! Mas, de fato, isto não é verdade e não digamos nada falso. Realmente, eles seriam capazes de fazer isto, seriam mesmo capazes de matá-lo, e a grande conjunção de todos os poderosos da terra não é de modo algum requisitada para este fim; um poder muito, muito inferior pode fazê-lo bem facilmente.

Contudo, se fores inteiramente fraco em obediência perfeita, então todos os poderosos da terra em conjunto não terão poder para ofender um cabelo de tua cabeça contrariamente à vontade de Deus. E quando és ferido, quando és injuriado, quando és posto à morte – se foste inteiramente fraco em perfeita obediência – entenderás amorosamente que nenhum dano te vai ser causado, por mínimo que seja, e que tudo é para teu verdadeiro bem-estar – que prodigiosa força!

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