Examinemos nossas
orações de petições – Parte 2
Orar ao Deus de Jesus
O brilhante e sensível teólogo Andrés Torres Queiruga, a quem tive o imenso prazer de conhecer pessoalmente meses atrás, nos ‘exorta’ e ou convoca/con-vida a RECONFIGURAR A ORAÇÃO, de modo que não só respeitemos o amor infinito e infinitamente gratuito do Deus de Jesus, mas também ajudemos a cultivar sua consciência(divina) na humanidade. Consideremos a questão nas palavras do próprio pensador:
(...) Insistir na importância da oração na vida religiosa
seria chover no molhado. Tampouco é preciso salientar a íntima dialética entre
a: “dize-me como é tua oração, e te direi como é teu Deus; dize-me como é teu
Deus, e te direi como é tua oração”. E,
contudo, dificilmente se pode negar que hoje é de extrema urgência revisar
muito a fundo o modo de orar, para que seja adequado à nova imagem de Deus
exigida pela sensibilidade atual.
Não se trata, evidentemente, de “acomodar-se à figura desde
mundo”, mas absolutamente o contrário:
de aproveitar a chamada dos “sinais dos tempos” como uma profecia que nos chega
do melhor da evolução cultural e de sua repercussão na teologia, para realizar
uma autêntica conversão. Se efetivamente se realiza, não se torna difícil descobrir
que aquilo que é mais novo na realidade nos remete ao mais original e genuíno
da experiência evangélica.
Quando os discípulos começaram a perceber a novidade que
Jesus introduzia na imagem de Deus, compreenderam a necessidade de mudar seu
modo de orar: “Senhor, ensina-nos a orar, como João o ensinou a seus discípulos”
(Luc 11, 1). E Jesus ensinou-lhes a dizer: Abbá (pai, a rigor papai, uma vez
que se trata de idêntica onomatopeia infantil). Porém, esse ensinamento,
aparentemente tão simples, é tão sério e delicado que continuamente corremos o
risco de obscurecê-lo, carregando-o com nossos medos e deformando-o com nossos
fantasmas: Deus nos escapa para o além, para o céu, e acabamos por vê-lo distante,
dominador e justiceiro.
Por essa razão, necessitamos redescobrir constantemente esse
rosto que Jesus procurou nos revelar. Nesse sentido, a mudança cultural, tanto
pela contribuição positiva dos estudos bíblicos como pela dura purificação
negativa a que nos obrigou a crítica da religião, constitui uma oportunidade excelente.
A resistência à mudança, ao contrário, a despeito da fidelidade à letra e
apesar, ainda, de toda a boa vontade, corre o risco de transforma-se em uma
terrível semeadura de ateísmo.
(...) Trata-se de afirmações fortes... Entretanto, talvez
algumas simples referências possam indicar a profunda verdade para a qual
apontam. O fio condutor é o seguinte:
Se “Deus é amor” (1Jo 4,8.16), ou seja, se todo o seu ser
consiste em amar, fica óbvio que nos criou – e continua criando-nos e
sustentando-nos, pois a criação é uma ato contínuo – para nossa realização e
nossa felicidade (não, portanto, “para servi-lo”, nem “para sua glória”, ao
menos no sentido normal que todos atribuem a essas palavras). Como criador, sua
glória é nossa vida (Ireneu); como pai/mãe, sua alegria é ver nossa alegria, e
se deleita com nossos êxitos e realizações. Por isso, na história da salvação –
apesar de tantos erros terríveis, e pior, erros por nós cometidos – aprendemos que
toda sua ação na comunidade é dirigida única e exclusivamente a ajudar a
salvar.
Em Jesus, compreendemos finalmente que nem sequer compete a nossa
expectativa, mas que seu amor nos precede desde sempre: “Ninguém pode vir a mim
se o meu Pai que o enviou não atrair” (Jo 6,44); e que nos precede sem
condições: “sobre os maus e os bons”, “sobre os justos e injustos” (Mt 5,45).
Daí o chamado de Jesus à confiança total, pois “até os vossos cabelos estão
todos contados” (Lc 12,7).
É claro que a um Deus assim não necessitamos pedir nada,
porque já nos está dando tudo. O que necessitamos é justamente o contrário:
deixar-nos convencer, ajudar e salvar; confiar em que, apesar das aparências,
ele está sempre conosco, fazendo todo o possível por nosso bem e nossa
felicidade. Se algo falha, não é nunca de sua parte, porque o que se opõe a
nosso bem opõe-se identicamente a seu amor por nós (e com maior força, se é
possível: também os pais humanos vivem antes e com maior intensidade os males de seus filhos). Falhará
a realidade que, como finita, tem sentenças inevitáveis; e falharemos nós, que
não compreendemos, resistimos ou nos negamos às coisas.
Em última instância, quando algo que pode ter solução não a
recebe, é porque nós não colaboramos com Deus. Então sim cabe falar em petição;
porém de Deus para nós: para que nos deixemos salvar, para que acolhamos seu
chamado e seu impulso em favor dos irmãos necessitados. Não é esse o sentido
mais genuíno e, no fundo, único do “mandamento” do amor? Texto de A. Torrres Queiruga – Pelo Deus do
mundo no mundo de Deus – Edições Loyola
Continua...
Vassum Crisso
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