terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Sembl-ante!

Sembl-ante!
Miguel Garcia

Fecho com Ferenczi quanto à teoria de que no mais fundo de nossa alma ainda somos crianças, e assim permaneceremos a vida inteira.
A super valorização de meu mundo ainda se impõe sob a forma de rostos fantásticos sorrindo, com bocas escancaradas, dentes à mostra, olhos fantasmagóricos que rolam de um lado para o outro, atravessando-me de longe com miradas causticantes e ameaçadoras (tal como o que acontece aos infantes). Vivo em um mundo de máscaras feitas de carne e sangue que escarnecem de minha auto-suficiência. A única maneira de opor-me à chuva ígnea que incide sobre frágeis sentimentos, seria pela aceitação do fato de que sou tão divino quanto qualquer beleza que ameace, mas, estranhamente, pareço nunca estar francamente acordado e sem ambigüidades quanto a isso, como se me perde-se de mim num instante, toda vez – da percepção mínima ante ao fascínio de tais transparências de eternidade.
“Não há uma resposta garantida para o temeroso mistério do rosto humano que se examina ao espelho”. Becker
Que examino nas ruas, memórias, calçadas, nos becos, nos bares, mercados, no ônibus, metrô, em fotografias, na tela da TV, computador, ou em outra vitrine qualquer. As imagens que incidem não trazem provisão alguma – algo para nutrir o centro do ser. Um rosto pode ter aparecia divinal e miraculosa, mas meu eu menino não dispõe do poder sobrenatural para saber o que ele significa; o vigor sobre-humano para ter sido responsável por seu aparecimento. E é aí que desfaleço em espírito, sentindo-me insuportavelmente oprimo por tamanho peso. Afundo sobre um oblívio de beleza, sempre que atingido pela misteriosidade que um rosto adorável irradia.
Uma criança derrotada pelo caráter esmagador da realidade e da experiência, me habita. Perco a serenidade necessária em um mundo não-instintal. Jamais abandonei o êxtase. Jamais superei o temor respeitoso, deixando para trás o assombro e o "terror" – o fascínio por contornos mágicos. Jamais fui capaz de ações auto-confiantes e descontraídas - não naturalizei meu mundo, ou o contrário disso: jamais desnaturalizei meus ambi-entes, falsificando-os com a verdade escurecida, o desepero da condição básica humana escondido. Vislumbro em meus sonhos noturnos e nas fobias e neuroses diurnas, o verdadeiro horrível, ou o contrário disso, se é que não flutuo por falta de gravidade. Jamais fui prudente o bastante ou construtor de diques e sangradouros capazes de impedir, a tempo, devastações que se erguem contra paisagens internas. Paixão é torrente que se agiganta em grandes ondas, avança rugindo e ameaça as almas mar-av-ilhadas. Jamais evitei esse desamparo, edificando muralhas protetoras intransponíveis.
Milagre primário é o rosto humano. Paralisa a pessoa por seu aspecto esplendoroso, se esta cede ante ele como a coisa fantástica que de fato é. Jamais reprimi, permanentemente, uma sensação arrebatadora e miraculosa, de modo a poder funcionar com equanimidade, usando rostos e corpos para fins de rotina. Como colher o fulgor de uma estrela e armazená-lo em si, sem o custo de sérios prejuízos? Como olhar de frente uma face sublime e vencer o temor do real, da intensa concentração de maravilha e poder naturais; o pavor de ser esmagado pelo universo tal como é ao ser essa verdade do universo focalizada num rosto humano?
E  você, de súbto chama pelo meu nome à luz do dia, sob o pretexto de saudar-me, expondo-me, desse modo, à fatalidade inevitável de ser consumido pela perfeição, numa fração de segundo -  eva-porar, ao obedecer a sedução irresistível de seu "canto" armadilhoso, voltar-me e fixar o olhar na fábula viva e radiante de sua corporalidade sublime e feições de uma Vênus encarnada... Louvado seja seu sembl-ante!

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