quarta-feira, 23 de julho de 2008

"O QUE DEUS UNIU"

"O QUE DEUS UNIU"Gustave ThibonO casamento é, por excelência, a vocação que permite pôr Deus no que a vida tem aparentemente de mais comum e de mais banal.

Ia-me esquecer de uma observação importante. O casamento deve ser um sacrifício, é certo. Mas um sacrifício recíproco. Haverá algo de mais vão, de mais prejudicial mesmo, do que uma imolação em sentido único? Dois egoísmos juntos travam-se mutuamente e, de certo modo, neutralizam-se. Que caldo de cultura não seria para as tendências egoístas de uma criatura o sentir em torno de se uma atmosfera de dedicação infatigável! Todos conhecemos lares em que o espírito de sacrifício de um dos esposos faz do outro um monstro de exigência e de egoísmo. Cada esposo deve tirar do espetáculo de generosidade do seu cônjuge, não um pretexto para fazer as suas vontades, mas um motivo para se imolar mais a si mesmo.

AMOR E ORAÇÃO

Sacrificar-se a uma criatura, amá-la apesar do seu nada, por causa do seu nada, amá-la com um amor mais forte e mais puro que o desejo de felicidade, tudo isto só é possível se o amor humano se conjuga e se amalgama com o amor eterno.

Não convém divinizar o ser amado. Esta idolatria conduz, a breve prazo, à indiferença ou à repulsa. O autêntico amor nupcial acolhe o ser amado não como um Deus, mas como um dom de Deus em que todo o divino está escondido. Não o confunde nunca com Deus e não o separa nunca de Deus.

«Ela olhava para o alto e eu olhava nela», escreve Dante falando de Beatriz. Nisso reside o supremo segredo do amor humano; beber a pureza divina nos olhares, na alma, no dom de uma criatura.

«Sentir como o ser sagrado freme no ser querido», assim definia magnificamente Vitor Hugo, o grande amor. Num tal grau de amor, o ser amado é verdadeiramente insubstituível: dado por Deus, ele é único como Deus; um mistério inesgotável habita nele. Os verdadeiros esposos conservam eternamente almas de noivos; a posse aprofunda para eles a virgindade. Quanto mais são um para o outro, mais fome têm de ser um para o outro. É uma maneira sagrada de possuir as coisas que, em vez de matar o desejo, como na satisfação da carne, o exalta e transfigura. Aquele que beber desta água terá ainda sede... Como poderia estiolar-se o amor dos esposos, se eles foram criados e unidos para dar Deus um ao outro? A vida dos dois desenvolve-se e torna-se infinita numa oração única.
(Gustave Thibon, O Que Deus Uniu, Editorial Aster Ltda., Lisboa 1956)
Gustave Thibon, foi autodidata genail, nasceu em 2 de set de 1903 em Saint-Marcel-d'Ardèche
a(França), onde foi sempre lavrador. Não foi um homem de diplomas e títulos. Estudou por si só o grego e o latim, os "Diálogos" de Platão e a filosofia de Aristóteles, a "Suma Teológica" de Santo Tomás. Deu-nos páginas luminosas de "Diagnósticos de Fisiologia Social", "O que Deus uniu", "A Escada de Jacob" e outros volumes de aforismos penetrantes, que são como flechas agudas atiradas para todos os lados. Poucos como ele compreenderam profudamente o homem e a mulher, o amor humano e o casamento. Thibon é o testemunho que se oculta para deixar brilhar a verdade em todo o seu esplendor. Ele mesmo disse: "Eu não aspiro a iluminar os homens com a minha lanterna: minha única ambição é ajudá-lo a melhor contemplar o sol".

Um comentário:

Paulo Cruz (PC) disse...

Que lindo ver Gustave Thibon ecoando no seu igualmente lindo Blog!

Fui capturado por sua genialidade nesse texto (que já li incansáveis vezes). A genialidade própria dos sábios, dos que sabem viver e colher da vida o que há de melhor. De colher do senso comum a excelsa comunicação dos valores divinos e humanos (coisa essa magnificamente aplicada por G.K. Chesterton).

A arte de viver junto, a arte de amar sem depreciar, a arte de crescer em amor sem diminuir o fluir da razão. A arte de amar a Deus no outro e outro em Deus. Isso é o que nos ensina o sábio poeta Gustave Thibon.

Saudações calorosas, Miguel, meu irmão!