sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Querubim


Querubim
Miguel Garcia


Da janela vejo a Lua suspensa na face da noite, flutuando tal qual jóia rara na orelha de uma etíope, visão que me embala e transporta à carruagem divina dos sonhos, desejos, lampejos, dos beijos, apertos e arranhões de amor.

Como sem perceber perco a gravidade, ou ela se perde de mim e escapo, me afasto para longe do tempo e espaço, do possível e para além, do embaraço, das correntes pesadas dos fatos, concretude, densidade e real, atravesso o espelho da vida e de tudo.

Ingresso no sem endereço, nesse nada de coisa alguma, meu anseio é sacramento, é poder evocativo, símbolo de uma grandeza, essência da mais pura beleza, emblema de um mistério revelado... sou alado... e também posso voar sobre as asas do vento - carruagens celestes... e enquanto viajo, contemplar paisagens de histórias, memórias, das glórias, dos povos, dos mundos, planetas, cometas, estrelas, dos homens, invenções, maquinais, estações, sentimentos.

Assim como Mab a parteira das fadas, corro na aventura das horas e atravesso o cérebro dos amantes, enquanto estes, sonham coisas de amor... como seta que se atreve a voar mais longe e penetrar mais fundo do que permite o arco, sigo no vôo de meus olhos livres...

De repente a evidência se impõe: sou mais do eu mesmo, sou resumo dos homens, da humanidade, "superando" dificuldades sou único, sou eu, sou querubim... lindo como um querubim, lindo e comum, querubim, eu sou lindo e comum, lindo como um, lindo e comum, querubim.

O caminho da árvore viva dos afetos, guardo para viajantes nus e audazes. Comer frutos à sombra de arbóreos, aspirando aromas floríferos, requer a pureza da intenção de amar.

Sou aquilo que evoca, nevoeiro, sou gerado, sou espesso, cerração, chuvoso, arcano, sou delícioso... sou segredo... vórtice profundo, sou ruína, sombra...sou mudo, sou medo... Eu sígno dourado, sou clonado, duas faces, refletor, guardião, enfeitiçado, ventania e tempestade, sou veloz, sou menino e beija-flor, um enviado... um herói.

Se eu cair da atmosfera ilimitada dos ideais, que o abismo seja largo e profundo... desse modo terei graça pra exibir elev-ação dos pensamentos, sustentando-me e movendo no soprar das incertezas - êxtase em minhas asas... impulso ligeiro em gestos de sobrevivência, propalar sublime depois de rasantes ousadias...

Ousadia de voltar às alturas de mim mesmo... regressar pra ser Keruv – o que envolve... como um repolho - envoltório e proteção, útero da poesia, ninho de um silêncio, manjedoura que acolhe um deus-menino-alado... todo regresso é eclosão de beleza, de ternura e inocência, é mágia que me faz ser lindo como um querubim... lindo e comum ..., lindo como um... querubim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Você é simplesmente um...
Anjo terrestre... de verdade!

Te cuida poeta!

Rute Menezes