quinta-feira, 20 de março de 2008

FATOR HIERARQUIA

FATOR HIERARQUIA
Por Al Vimar

Embora a quase totalidade dos pensadores anarquistas repudiem aquilo que entendem por Religião, Deus, etc. nenhum deles poderia negar a presença desses valores e crenças no seio do povo.

O FATOR HIERARQUIA

Embora a quase totalidade dos pensadores anarquistas repudiem aquilo que entendem por Religião, Deus, etc, nenhum deles poderia negar a presença desses valores e crenças no seio do povo e a sua constante manifestação em todas as civilizações desde tempos imemoriais. Buscar extirpar o sentimento religioso das multidões é como tentar podar algo inerente ao espírito humano.

Embora o conhecimento que um homem tem de Deus tenha que ser necessariamente expresso em termos humanos, infelizmente, tais termos nunca são suficientes para essa tarefa, todavia, isso não significa que a Religião se traduza, ou mesmo se esgote, em atitudes estereotipadas e fingidas de pessoas travestidas de religiosas – autômatos, insossos, sem graça, sem vida, que nos causa tanto asco nas igrejas, ruas, trens, emissoras de rádio, praças e TV. Por mais repugnante que seja o uso que certas pessoas fazem da Religião, isso não justifica o combate da Religião em si.

Ao contrário do que muitos pensam, o sentimento religioso não pode ser considerado nocivo ou algo que necessariamente se opõe à anarquia. O argumento mais forte para o descarte da Religião, apresentado pela maioria dos anarquistas, diz respeito ao uso que os poderosos fazem desse sentimento religioso presente no povo: matéria prima a serviço da dominação.

O estado, o capital e a propriedade dos meios de produção, podem e devem ser abolidos, e a Religião pode perfeitamente contribuir para isso na medida em que assume seu caráter original de responsabilidade em prol da instituição da justiça, da liberdade e da solidariedade humana.
Em vez disso, as igrejas ensinam quase sempre que a relação de Deus para com a humanidade é a de um Soberano que lá de seu trono força a obediência pelo exercício de um poder irresistível – o arquétipo do Poder do Estado. E quase nunca que trata-se de um Pai que constrange pelo poder de um amor que busca e cuida.

Por muito tempo se tentou inutilmente substituir o calor da espiritualidade humana, pela frieza do cientifismo. Desse ponto de vista, nós anarquistas fariamos melhor se em lugar do ateísmo ou do anti-teísmo pregassemos a anarquia na Religião tanto quanto pregamos a anarquia na política e na economia. O chefe religioso e o Clero que a ele se subordina “pastoreando” o povo são tão nocivos para as pessoas e para a Religião quanto o proprietário e a pirâmide de administradores são nocivos para os trabalhadores de uma empresa e para a economia. A Religião sem o chefe religioso e o sem clero que a controla e domina pode e deve funcionar como instrumento de liberdade, justiça e solidariedade humana, nunca como instrumento para a conquista e para a subserviência como vemos por toda parte. O que deve ser combatido é a utilização e o cultivo do sentimento religioso popular enquanto tapume que cega os olhos do povo à realidade de exploração e miséria em que ele vive, deixando-o à mercê das classes dominantes. Dessa forma, a Religião se torna uma máquina de controle da mente do povo, e um atalho para a obtenção de fama, poder e dinheiro para seus dirigentes.

Quanto à ciência, por mais positiva que possa ser, ela jamais substituirá o sentimento religioso e jamais explicará todas as coisas e fenômenos, principalmente as principais perguntas que martelam sobre nossa vida. De qualquer forma, não podemos impedir outras pessoas de exercitar seus corações e mentes na procura de suas próprias respostas sobre a fonte da vida e a razão de suas existências.

Não é anti-anarquista reconhecer uma relação Deus x homem, como uma relação Pai/Mãe que constrange pelo poder de um amor que busca e salva suas crianças. Uma criança de quatro anos que brinca à beira do rio, repentinamente rola barranco abaixo e cai nas águas profundas, o pai que passava por ali salta do barco e salva-a da morte. Eis aí a substancia da relação Deus x homem que não pode ser considerada jamais uma relação autoritária.

Kropotkin, o mais famoso escritor anarquista, surgido do Iluminismo e da Revolução Científica, assumia que a ciência substituiria a Religião, que tanto a Igreja como o Estado seriam abolidos, ao mesmo tempo que ponderava sobre um sistema secular de ética que substituiria a teologia sobrenatural pela biologia natural. Ora, esse “sistema secular de ética” e essa “biologia natural” de Kropotkin estava muito mais próxima da Religião do que a teologia sobrenatural dos clérigos de todos os tempos. Infelizmente, outras teorias que não as de Kropotkin, acabaram prevalecendo e ensinadas nas escolas, tornando-se, em parte, vigas mestras na justificação da competição capitalista.

Enquanto os anarquistas não levarem suas mensagens para dentro das igrejas, como o fizeram os Profetas de Israel dos séculos VIII a IV AC — muitos deles anarquistas — a religião permanecerá como um terreno onde a erva daninha capitalista não para de crescer, não porque esse terreno seja estéril ao anarquismo, mas porque ninguém se preocupa em lançar ali a semente anarquista.

O problema mais grave da religião é que a maioria daqueles que se travestem de religiosos, trazem de tudo, menos a religião dentro de si, e muitos daqueles que trazem a religião dentro de si, acreditam em muitas coisas, menos em Deus e Religião, pela forma que essas coisas são apresentadas para ele, pelos estereótipos religiosos, pela falsidade e pelos formalismos religiosos.
Para muitos, a maior dificuldade em aceitar a idéia de Deus vem de associá-lo a um ser hierarquicamente superior. Isso, contudo, pode ser superado pela idéia mencionada acima, de uma mãe ou um pai que ama e cuida de sua criança. Quem teve um pai/mãe digno desse nome sabe que essa relação não implica necessariamente numa relação de poder.

O problema não está na Religião em si mas no que se faz com ela, um instrumento de escravidão, ignorância e opressão, ou uma fonte de liberdade, sabedoria e justiça. Algo que lança o povo nas trevas do preconceito e da ignorância, ou algo que realça a luz do espírito humano.
A verdadeira atitude anarquista para com a Religião é precisamente não atacar nem a fé, nem a Igreja, nem a obediência a Deus (expressão de justiça e liberdade), mas combater o conformismo, eliminar a hierarquia dentro da Igreja, e extirpar a obediência aos homens. Se sempre há pessoas com fé necessitando de Igreja, isso não significa que elas precisam obedecer a homens, da mesma forma que a atitude anarquista mais eficaz no combate ao Estado e à obediência aos homens é convencer as pessoas a não se submeterem ao Estado e a não obedecerem aos homens. A esperança anarquista no que diz respeito à política e à Religião é a abolição da hierarquia, que trará consigo a abolição do Estado e da Igreja. A questão é que Igreja sobrevive sem hierarquia, o Estado não. O Estado um dia irá finalmente desaparecer, talvez até mesmo a Igreja, mas nunca a fé. Deus para quem quiser, senhor para ninguém!

Al Vimar
Projeto Periferia
http://www.geocities.com/projetoperiferia/9a.htm

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