sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ante o olhar do profeta

Ante o olhar do profeta
Miguel Garcia

Por que é que aquilo que faz a felicidade do homem acaba sendo também a fonte de suas desgraças? Goethe

Exibiam um sonho, um propósito, uma utilidade para todas as coisas e pessoas, pessoas que, por essa dinâmica, eram também coisificadas e de certo modo negadas em sua singularidade e existência. Qual fantasmas torturados, pairavam atravessando realidades sem relação concreta com as mesmas, de tanto que eram a-traídos para a "luz" do que avidamente desejavam. Vendo mais longe do que todos, eram sufi-ciente-mente astutos e poderosos para dirigir as faculdades e paixões alheias no sentido da realização dos seus planos. Assim que conquistaram condição mais elevada, tornaram patente uma fria reserva para com os "comuns", só pelo temor de se diminuírem com alguma forma de aproximação. Além disso, agiram imprudentemente fingindo condescendência para melhor ferirem com arrogância, àqueles que espelhavam o perfil que outrora haviam experenciado amarga-mente. Julgavam necessário manter distância dos pobres e incultos, para se fazerem respeitar.
Eles ansiavam por fama, antecipavam-na, esperavam, graças a ela, poderem criar imortalidade própria: imortal-idade significaria serem amados por muitas pessoas anônimas. Eles suspiravam por multidões e apenas por elas, jamais por indivíduos, esses últimos eram sempre um constrangimento a ser evitado. Eles desejavam viver na estima de turbas anônimas e de homens não nascidos, em obras pelas quais tivessem contribuído para a vida e seu aperfeiçoamento, segundo o que imaginavam ser importante. Enamoravam-se de uma imortalidade inteira-mente desde mundo, o que podia ser confirmado em suas produções comerciais e pronunciamentos públicos. Havia certa oscilação entre o desejo que nutriam por imortalidade e o escárnio por ela, o que se fazia notar em constantes ataques à idéia de um mundo finito perfeito - sonho da razão mítica inicial do paraíso - mito final da sociedade magistral (fé que passo longe de abrigar), era como um ato falho e refletor de hábitos infelizes e arraigados neles, ou ainda uma forma mágica de brincar com a realidade: já que temiam que a vida aqui não tivesse qualquer importância, que não tivesse qualquer sentido real, procuravam aliviar a ansiedade zombando especialmente daquilo que mais desejavam, ao mesmo passo que, por baixo de suas escrivaninhas, conservavam os dedos fazendo figas, era assim que agiam ante o olhar do profeta.

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