Miguel Garcia
Vi-vi o sufi-ciente para saber que o homem molda para si um mundo controlável e atira-se a essa ação de modo descuidado e impensado. Aceita a programação cultural que vira seu nariz para onde se supõe que deva olhar; não engole o mundo (realidade) como o faria um gigante, mas aos pequenos pedaços controláveis - em postas, como sugeriu o empresário no prólogo do Fausto, de Goethe. Homens são mais como castores do que como crocodilos, quando abocanham. Homens recorrem a todos os gêneros de técnicas chamadas de defesas do caráter, aprendendo a não se expor, a não sobressair; aprendendo a encaixar-se em poderes outros, tanto de pessoas concretas (ex: chefes eclesiásticos, seus capangas e etc..) quanto de coisas e de ordens culturais, passando a existir na “infalibilidade” do mundo que os rodeia, contudo, acho bom lembrar que ninguém é de barro: as pessoas sabem es-colher não es-colher - transmutarem-se em cordeiro mudo, sempre que parecer favorável, sabem apostar no individamento do presente para obtenção de eventu-ais lucros futuros. Assim pros-segue o animal humano “sem medo”, pois seus pés estão “solidamente plantados”, sua vida traçada em um labirinto previ-a-mente preparado. Tudo o que o sujeito têm a fazer é ir em frente, em um estilo compulsivo de arrancada pelos caminhos do mundo que conheceu na infância e no qual viverá mais tarde com uma espécie de soturna resignação – o estranho poder de viver o momento e ignorar e esquecer. Esta é a razão profunda pela qual os interioranos (camponeses, na expressão usada por Joseph Lopreato) “não se perturbam”, mesmo quando estão chegando ao fim, quando o Anjo da Morte, que esteve todo o tempo sentado ao lado deles, estende as asas. Ou, pelo menos, até serem prematur-a-mente despertados para uma consciência muda. Em ocasiões assim, quando a consciência acorda depois de ter estado sempre desligada pela frenética atividade pré-programada é aí que vemos a transmutação da repressão (o ato de conter, deter, impedir impulsos e desejos), por assim dizer, redestilada e o terror da morte emerge em sua essência pura. Eis o porquê dos lapsos psicóticos quando a repressão não funciona mais, quando o ímpeto da atividade contínua não mais é possível. Eis o fim do romantismo; a serenidade interiorana está inti-má-mente ligada a um estilo de vida que possui elementos de loucura real, e por conta disso se faz protetora: uma corrente submersa de ódio e amargura constantes, expressa em inimizades tradicionais, opressões inimagináveis em contextos outros, disputas e brigas familiares, mentalidade tacanha, auto-reprovação - complexo de vira-lata (nos termos de Nelson Rodrigues), superstição que chega a ser creadora de fenômenos palpáveis, controle obsessivo do cotidiano por um autoritarismo rigoroso, dogmatismo implacável, entre muitos outros dados chocantes e grotescos ao olhar e sensibilidade de quem possui outras referências.
*Eis o que ocorre a um animal desnudado no planeta - lançado aos próprios e escassos poderes e aparentememnte menos livre para mover-se a agir - menos possuidor de si mesmo e mais indigno...
*Assista ao excelente filme de Lars Von Trier: Dog Ville! Note que uma pacata gente de cidadezinha só precisa de oportunidade para revelar-se... devorar a Grace, liter-All-mente...
Odeio amar as Gerais.
Vassum Crisso.
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