O que é sexo? (Parte 1)
Miguel Garcia
Sexo é contorção e reviravolta: cega e diligente busca do sentido da vida. Se não tenho um Deus no céu, uma dimensão invisível que justifique a visível, então pego o que estiver mais perto e à mão e resolvo os meus problemas com isso.
Fazer amor é buscar benefí-CIO-s, é lançar a depressão pelo fardo da vida aos pés de um parceiro (a) “divino” (a), é livrar-se da dolorosa consciência de si próprio, é exorcizar a sensação de ser um indivíduo separado, tentando obter certo sentido de quem se é, do que a vida é e assim por diante, é varrer o pavor numa rendição emocional ao parceiro (a), é esquecer-se no delírio do estase, é mar-av-ilhar-se estimulado pela experiência.
Fazer amor é ir além de estar vergado ao peso da culpa por ser bicho-humano.
Sexo é boa regressão, é ver banido o estorvo da animalidade que ameaça a vitória da pessoa sobre a decadência e a morte.
Sexo é enlace entre o corpo e o sistema nervoso central que permite pensar, observar e interagir com o mundo exterior (consciência), indistintos durante o ato (corpo e consciência), já não são encarados como alheios à pessoa.
Sexo é redenção corpor-All, é desvanecer feito esfera celeste, é englobar-se no corpo e na consciência de outrem; fundir-se em unidade que dilui o desarticulado e o grotesco. Fazer amor é quando “tudo” se faz natural , fun-CIO-nal, expresso como deve ser; aplacado e jus-ti-ficado.
Fazer amor é ver lançada fora a "culpa", o que obriga a própria natureza a proclamar a inocência dos amantes.
Sexo é coisa complexa; colorida; não cabe em binaridades e automatismos mentais. Nem tudo se passa tão fácil e claramente, em se tratando daquilo que mora no fundo do paradoxo criatural.
Sexo é coisa do corpo; corpo é coisa da morte; morte é irmã gêmea natural do sexo, o que se desdobra em malogro do amor romântico como possível solução para os problemas humanais e em elemento participativo na frustração do ‘moderno’ bicho-humano.
Sexo é impedimento: se é realização do papel como animal na espécie, é ao mesmo tempo recordação de que a pessoa nada é senão um elo na cadeia de seres, intermutável como qualquer outra e completamente dispensável por si mesma.
Sexo é representação da consciência da espécie por um lado e, por outro, derrota da individualidade – da personalidade.
Sexo é revés da ordem que a individualidade consciente quer desenvolver: a ideia heroica de si mesmo como ente especial; virtuoso e repleto de dons capazes de redimir o universo. Quem se contentaria no papel de mero animal fornicador? Quem, em “sã consciência”, abriria mão de experenciar uma finalidade realmente humana, uma contribuição verdadeiramente distinta para a vida do mundo?
Sexo é tabu; é negação dupla: da morte física e dons pessoais distintivos.
Sexo é incomodo: caçoa do triunfo da personalidade sobre a mesmice animal, dos complexos códigos de abstenção sexual, dos mapas culturais para a moralidade pessoal impostos sobre o corpo animal, ri da noção de sacrificar os prazeres do corpo ao que se supõe o maior de todos os prazeres: a autoperpetuação da pessoa como um ser espiritual por toda a eternidade (cabeça e um par de asas, sem anus que deturpe).
Sexo é motivo de irritação: as pessoas se ressentem ao verem-se reduzidas ao corpo, porque o sexo até certo ponto às aterroriza.
Sexo é prenuncio de resistência à fatalidade.
Sexo é irmão do corpo que engendra culpa, arremete à contenção e faz sombra à nossa “liberdade”.
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