Para quem iremos nós?
Miguel Garcia
Para quem iremos nós
se não desejamos ancorar e delimitar nossas vidas com aléns que estejam logo à
mão, pouco adiante, ou forjados por nós mesmos?
Para quem iremos nós
se a intuição nos con-vida a ingressar no além (afora; a outra vida) da
religião?
Para quem iremos nós
se o homem deve cultivar a passividade da renúncia a si mesmo aos mais altos poderes,
não importando quão difícil isso seja, se qualquer coisa abaixo disso seria menos
que o pleno desenvolvimento da pessoa, ainda que lhe pareça fraqueza e
conciliação aos melhores pensadores?
Para quem iremos nós
se não somos capazes de fechar os olhos à necessidade profunda da pessoa humana,
se afirmamos a necessidade de uma ideologia realmente religiosa, inerente à
natureza humanal e capaz de satisfazer a necessidade básica de qualquer gênero
de vida social?
Para quem iremos nós se
já que não cremos que a entrega a Deus seja masoquismo, que esvaziar-se de si
mesmo seja degradante, mas ao contrário disso: se cremos que o ponto mais
distante que o eu pode alcançar, que a máxima idealização acessível ao homem
seja exatamente esse “abandonar-se” em Deus – expansão amorosa do Ágape –
verdadeira realização criativa?
Para quem iremos nós
se apenas desse modo, se só rendendo-se à grandeza da natureza no mais elevado
e menos fetichizado nível é que pode o homem conquistar a morte?
Para quem iremos nós
se a confirmação heroica da vida de cada um fica além do sexo, do outro, da
religião particular, se toda essa lista de coisas não passa de arre-medos que
atraem o homem para baixo, ou o enclausuram , deixando-o despedaçado pela
ambiguidade – incerteza; dúvida?
Para quem iremos nós
se o homem sente-se inferior precisamente por carecer dos “verdadeiros valores
interiores na personalidade”, quando é meramente um reflexo de algo vizinho dele
(sombra de sombras) e não possui um giroscópio firme em seu íntimo?
Para quem iremos nós
se, a fim de conseguir um centro, o homem tem de olhar para além do tu, além dos consolos dos outros e das
coisas deste mundo?
Para quem iremos nós
se o homem é um ser teológico e não biológico?
Para quem iremos nós
se nossa cultura pública e privada, sobretudo a das elites, se dissolve em corrupção,
cocaína, apatia politica, consumo e filosofias-de-retoques-e-maquiagens?
Para quem iremos nós
se o que se oferece em troca da mensagem e proposta de vida crística é uma
cervejinha no sábado à tarde, um grito de gol a cada dois anos , três dias de
desfiles nas avenidas, ou ainda o culto ao próprio umbigo, às lágrimas e
suspiros românticos, a obsessiva pergunta “quem pode ter orgasmos com o quê e
com quem”, ou, finalmente, o sonho da semana de compras em Miami?
Para quem iremos nós
se só Tu tens as palavras de vida e-terna, Vida?
Vassum Crisso
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