Sobre eclesiásticos invernais:
Miguel Garcia
Não se adivinhava neles uma unidade profunda, ao contrário disso: transmitiam nítida impressão de personalidades fragmentadas. Não havia neles algo como um princípio procedente de inspiração unificadora. Eles eram muitos, penso que cada um deles era uma “legião”.
Obcecados por si mesmos e por seus projetos de auto-expansão narcisista, exigiam que o mundo girasse em torno do “heroísmo cósmico” que empreendiam a custa de incontáveis vítimas.
Eram atentos ao número das frases, a música das palavras, sensíveis à precisão de epítetos, ao peso de um termo, ao modelar de imagens, à busca incansável por si mesmos, à expressão mais justa, mais concisa, mais clara, lapidando textos escritos, sermões, pronunciamentos, redigindo conferências, comprazendo-se com preciosismos e artifícios literários em detrimento total e absoluto da aceitação de outros como legítimos outros em convivência, viviam ilhados.
Negavam a si mesmos ao negarem seus semelhantes, negavam o fato de serem seres multidimensionais. Não amavam nem mesmo as multidões, amavam a si mesmos por intermédio das mesmas, amavam o fato de serem elas as financiadoras de seus desígnios nababescos justificados e legitimados em nome do Nazareno – do evangelho, do reino de Deus.
Eram pastores-homens-de-letras. Eram eclesiásticos “belos” espíritos que freqüentavam saraus literários e reduziam seus ministérios à companhia de letrados. Desviados do ofício de cura das almas e finalidades correspondentes, faziam da literatura uma diversão; um ópio, uma vacina diária contra a loucura do hospício. Não nutriam fé no casamento das palavras com as ações, não criam nos outros, nem em Deus, nem em si mesmos por conseguinte. Fizeram com que a vida da igreja se tornasse cinzenta, angusti-ante, caótica, desesperada, invernal e triste.
Vassum Crisso